7.06.2010

Algumas coisas mudam. Outras, agente vai empurrando com a barriga até o limite.

Tibério era um cara que não tinha problemas na vida. Tudo com o que ele tinha que se preocupar era que roupa escolher no armário para vestir ao sair na rua… não, isso quem decidia era Josefa, sua adorável esposa. Feliz ou infelizmente, Tibério sempre se deixava levar pelas coisas ditas mais fáceis. Tinha um casamento instável, tinha um bom emprego na empresa do pai de sua adorável esposa, tinha filhos sendo educados numa conceituada escola, no sul da Suiça. Sua vida se baseava numa rotina específica e mudava bem pouco, apenas quando problemas externos como o trânsito ou um alagamento em sua cidade o impediam de cumprir sua agenda. Sua esposa era um pouco rígida com isso e cuidava pessoalmente da agenda de nosso amigo. Tibério era um cara conformado com sua situação. Ou ao menos, assim parecia ser.
O ano novo estava se aproximando e algo tomava de assalto a atenção do nosso amigo. Ele já não se sentia mais feliz com sua vida. Seu emprego, ora algo totalmente cabível em sua vida, agora já não lhe fazia mais feliz. Sua rotina diária não incluia coisas simples, como um happy hour com os amigos de infância, que insistiam que deveriam se encontrar ao menos 1 vez por mês para uma vodka com petiscos. Sentia saudades de seus filhos e os queria por perto para vê-los crescer e todas as transformações que acontecessem durante as fases de aprendizado. Sua esposa, antes adorável, havia sido escravizada pela moda e passava horas intermináveis em compras de bolsas e sapatos que jamais usaria duas vezes. Até os seus cachorros, legítimos perdigueiros, já não corriam pelos campos como outrora. Alguma coisa precisava mudar drasticamente ou Tibério teria, ao final de sua vida, apenas lembranças de “Como poderia ter sido?” em sua mente. Tibério precisava mudar.
2002, um ano que demorou a chegar, teve uma bela recepção. Na mansão de Tibério (que na verdade havia sido um presente de casamento do tio de Josefa) estava em festa. Uma festa com vinhos finos, caviar e o mordomo, que insistia em servir seus patês de fígado de ganso. Foi quando Tibério surtou, não queria mais nada daquilo. Às 02 horas do primeiro dia do ano, Tibério pegou seu inseparável aquário com Tina e Fey, seus peixinhos da sorte, e partiu. Ele ainda pediu a Josefa as chaves do carro da família, um luxuoso Bentley laranja, cor símbolo de uma das lojas de seu sogro (representante da Lamborguini no Brasil), e partiu sem despedida. Era hora de ir atrás de seus sonhos e planos traçados naquele longo ano passado.
No ano de 2008, encontrei Tibério por acaso na praça da Sé. Ele estava correndo rumo ao viaduto do chá, e eu o acompanhei sem pestanejar. Tibério tinha uma nova vida, havia se casado novamente e tinha uma pequena filha de 2 anos de idade. Cuidava dela pessoalmente, em seus raros momentos de folga. Sua esposa nova, Justina, era um tanto aversa a moda e gostava mesmo era de frequentar a 25 de Março em busca de grandes descontos. Não tinham muitas coisas na vida, mas tinham um chevete 78 que não deixava na mão. Tibério agora era um grande mercador, vendendo produtos de origem duvidosa nos arredores do centro da cidade. Tinha uma vida corrida, mas ao menos morava perto de seus amigos de infância e semanalmente faziam uma partida de dominó para celebrar a amizade. E ainda uma vez por mês faziam um torneio de gamão, com direito a churrasco e bastante vodka.
No natal de 2008, encontrei Tibério novamente. Ao questionar sobre o que faria no ano novo daquele ano, ouvi que ele não tinha planos definidos ainda e que provavelmente ficaria em Sampa mesmo para evitar gastos. Então, o convidei gentilmente para que passasse a virada do ano comigo, em minha casa na praia. Os únicos custos que ele teria seria o da locomoção, pois eu já tinha tudo preparado. E foi com surpresa que ouvi a resposta – “Olha, eu vou perguntar pra Justina, é ela quem cuida de tudo o que faço!” – e cheguei a uma conclusão estarrecedora: Algumas coisas nunca mudam.

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