10.18.2010

15/10/2010 14h19 - Atualizado em 15/10/2010 14h19

Crianças pequenas já usam ironias, mostra estudo canadense

Humor ajuda a neutralizar situações com potencial para gerar conflitos.
Cientistas transcreveram mais de 350 horas de conversas de 39 famílias.

Nicholas Bakalar Do ‘New York Times’
1.661 comentários irônicos foram feitos durante 350 horas de conversas familiares1.661 comentários irônicos foram feitos durante 350 horas de conversas familiares gravadas por pesquisadores (Foto ilustrativa: Jessica Kourkounis / The New York Times 7-10-2010)
Quando a mãe de um menino de 12 anos pergunta a ele “Quantas vezes tenho que dizer para você parar com isso?”, o garoto deve saber que a resposta, se é que alguma é necessária, não deve incluir um número. Essa percepção requer uma sofisticada compreensão da linguagem irônica, desenvolvida bem depois da fluência na fala. Em que idade as crianças começam a sentir o significado de uma pergunta como essa, e em que grau elas conseguem responder apropriadamente a outros tipos de ironia?
Em pesquisas, as crianças não demonstram quase nenhuma compreensão do discurso irônico antes dos seis anos, e muito pouco até os 10 ou 11 anos. Quando questionadas, crianças mais novas geralmente interpretam perguntas retóricas como literais, o exagero deliberado como um engano e o sarcasmo como mentira.
Crianças foram muito mais inclinadas a usar a hipérbole, geralmente para enfatizar 'graves injustiças' praticadas contra elas por seus irmãos ou paisPorém, houve poucas pesquisas sobre isso fora de laboratório. Assim, um grupo de pesquisadores canadenses resolveu gravar pais e filhos em casa, usando quatro tipos de linguagem irônica: sarcasmo, hipérbole, ironia e perguntas retóricas. Eles descobriram que crianças muito novas conseguem compreender, e até mesmo usar, o discurso irônico, mesmo sem saber descrever o que fizeram.
“Você realmente vê que elas respondem apropriadamente a essa linguagem numa conversação”, diz Holly Recchia, principal autora do relatório. “Isso não é o mesmo que dizer que elas podem explicar esse entendimento de maneira explícita.”
O estudo, publicado no “British Journal of Developmental Psychology”, incluiu 39 famílias, cada uma com dois pais e duas crianças, cujas idades variavam entre 4 e 6 anos. As famílias recrutadas representavam determinados grupos étnicos, faixas etárias e nível de escolaridade dos pais.
Crítica dos pais é pior que bullying como causa de estresse infantil Menino de 3 anos e 63,5 quilos é discriminado na China Os cientistas transcreveram mais de 350 horas de fala e associaram todas as expressões não-literais a uma das quatro categorias, sempre identificando quem falava. Todas as crianças mais velhas fizeram ao menos uma declaração irônica, assim como 38 mães, 26 pais e 37 dos irmãos mais novos – um total de 1.661 comentários não-literais.
Embora o motivo seja incerto, em comparação com pais e crianças, as mães usaram a linguagem irônica mais vezes em interações negativas do que em positivas, e perguntas retóricas com frequência maior do que qualquer outro formato.
“Pode ser que as mães assumam papéis de professoras ou gerentes”, diz Recchia. “Se as mães são mais envolvidas no gerenciamento de conflitos, isso poderia significar que perguntas retóricas são mais eficazes do que o sarcasmo.”
Com todas as crianças, a hipérbole e as perguntas retóricas foram mais comuns. Quando elas estavam envolvidas num conflito, as perguntas retóricas e a ironia eram mais usadas, enquanto interações positivas geralmente envolviam o sarcasmo e a hipérbole. Diferente de seus irmãos mais novos, os mais velhos usavam o sarcasmo (“Muito obrigado, agora você destruiu minha coleção”) mais vezes que a ironia (“Estou só um pouquinho bravo com você agora”).
“Isso é parte de uma imagem maior”, diz Janet Wilde Astington, professora de psicologia da Universidade de Toronto autora de várias obras sobre o discurso infantil, que não participou do estudo. “Acho que isso é importante na medida em que elas conseguem demonstrar entendimento por mais jovens que sejam, e entra em contraste com as expectativas de trabalhos experimentais.”
Comparadas a seus pais, as crianças eram muito mais inclinadas a usar a hipérbole, geralmente para enfatizar graves injustiças praticadas contra elas por seus irmãos ou pais: “Você nunca me dá uma mesada, mesmo quando me comporto bem.” As crianças mais velhas usaram mais a ironia do que seus irmãos mais novos, e embora os mais novos tenham mostrado menor probabilidade de entender o significado e a função dos comentários, as diferenças não foram grandes.
Segundo Recchia, que é professora-assistente de educação na Universidade Concordia, em Montreal, mesmo que as crianças tenham uma compreensão limitada da ironia, ela ainda pode ser útil.
“Os pais tendem a ver a linguagem irônica de forma negativa, mas nem sempre ela é negativa ou maldosa”, explica. “Algumas vezes ela é divertida. Eventualmente, pode ser que o humor e a ironia ajudem a neutralizar situações que de outra forma gerariam conflitos. E isso pode ser uma ferramenta bastante eficiente”.
Tradução de Pedro Kuyumjian
New York Times

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