2.23.2013

Combate ao crack no centro de SP

Secretaria de Saúde diz que não registrou internações compulsórias.

Pacientes foram internados por medida judicial em Campinas e Araraquara.

Do G1, em São Paulo*
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Morador de rua circula pela região da 'antiga' cracolândia, na região central de São Paulo (Foto: Glauco Araújo/G1)Morador de rua circula pela região da 'antiga'
cracolândia, na região central de São Paulo
(Foto: Glauco Araújo/G1)
O programa de atendimento a viciados em crack do Estado de São Paulo funciona apenas no Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod) na região central da capital paulista. A estrutura que passou a ter juízes e promotores de plantão para atender casos de internação compulsória existe somente na cidade de São Paulo, não sendo acessível aos usuários de drogas no interior do estado. É o que mostra levantamento feito por jornalistas do G1 pelo Estado*.
Fora da capital, quem tiver necessidade de apoio jurídico, psicológico e de assistência social tem de procurar os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que funcionam em convênios com as defensorias públicas e promotoria. Nos locais onde não há defensores públicos, o atendimento é levado para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nas cidades.
O Cratod tem 26 médicos - entre clínicos, psiquiatras e neurologistas - 12 psicólogos, 8 assistentes sociais, 1 terapeuta ocupacional e 1 equipe de enfermagem. Eles cuidam da saúde, do descanso e da alimentação dos dependentes. Outra equipe trabalha para garantir as internações.
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disse ao G1 que há necessidade de mais Cratods em outras regiões do estado, mas não existe previsão. “Estamos estudando a ampliação do número de centros [Cratods]. Estamos em fase de planejamento e logo mais anunciaremos a ampliação do serviço.”
A internação voluntária é a que ocorre quando o paciente aceita ser internado. Internação involuntária é quando o pedido é feito por familiares. A internação compulsória é determinada pela Justiça.
A Secretaria de Saúde de São Paulo informou que foram registradas 223 internações de viciados em drogas e álcool desde 21 de janeiro deste ano, quando o Cratod passou a ter plantão jurídico para autorizar as internações compulsórias quando fosse identificada a necessidade, o que não ocorreu, de acordo com a pasta. Do total de internações, apenas 17 foram involuntárias e nenhuma delas foi compulsória.
As internações, ainda segundo a secretaria, ocorreram em hospitais da rede pública e conveniada dentro do novo programa no tratamento de dependentes químicos.
Balanço de um mês
Ainda segundo o balanço apresentado pelo governador de São Paulo, nesta terça-feira (19), 1.509 dependentes químicos foram acolhidos em comunidades terapêuticas e casas de acolhimento no período. Esses usuários de drogas são orientados pela assistência social a procurar tratamento ambulatorial nos CAPS, mesmo em São Paulo.  O governo do estado também registrou 8.171 telefonemas com orientação às famílias de todo o estado.
O estado de São Paulo tem 876 vagas para internação. No Cratod, os dependentes esperam até dois dias pela vaga. Segundo a Secretaria de Saúde da capital, os leitos disponíveis não são municipalizados. Os pacientes de uma cidade podem ser internados em outro município, de acordo com a disponibilidade de vagas.
mapa_cracolandias_sao_paulo_300 (Foto: Editoria de Arte / G1)
Internação compulsória no interior de SP
Apesar de a Secretaria de Saúde de São Paulo informar que não houve internação compulsória no estado, há dois pacientes internados desta maneira em Campinas (SP). A prefeitura aderiu ao programa de internação compulsória do estado, mas priorizando outras políticas de tratamento para dependentes químicos.
De acordo com dados oficiais do município, cinco pacientes na rede municipal de saúde foram internados compulsoriamente no Hospital Psiquiátrico Cândido Ferreira. Destes, dois pacientes estão internados desde o início do programa do estado, em janeiro. Outros três pacientes estão internados da mesma maneira, mas iniciaram o tratamento no ano passado.
Ainda em Campinas, seis pacientes estão internados voluntariamente no Hospital Psiquiátrico Ouro Verde, sendo metade para tratar vício por droga e três por álcool.
Em Araraquara (SP), desde o início da internação compulsória adotada pelo governo, 12 dependentes químicos foram encaminhados para tratamento, segundo a Secretaria de Saúde da cidade. Os pacientes foram acompanhados pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público. Na cidade, não há hospital específico para o tratamento de dependentes químicos, mas a prefeitura mantém convênio com uma clínica de Limeira (SP) para internar os pacientes.
Além da internação compulsória, o Conselho Municipal Antidrogas (Comad) observou aumento na procura de internações voluntárias. Segundo levantamento feito pelo presidente do órgão, Marcio Wiliam Servino, as comunidades terapêuticas da cidade registraram um aumento na procura desse tipo de internação, mas não informaram os números.
A cidade de Ribeirão Preto não aderiu ao programa do governo do estado e a Secretaria Municipal de Saúde e não informou o levantamento sobre internações voluntárias.
Em Piracicaba, a Secretaria de Saúde informou que não aderiu ao programa e que encaminha este tipo de paciente sempre para os CAPS. A pasta não forneceu números sobre a situação.
Outras cidades
Em Registro (SP) foram registradas cinco internações voluntárias. Na cidade há uma unidade do CAPS. Não houve registro de internações compulsórias e involuntárias.
Em Presidente Prudente, nenhuma internação compulsória foi feita, todas as 190 vagas são de internação voluntária, sem especificação de causa ou tipo de droga. Todas estão ocupadas em sistema de rotatividade. Segundo Marly Fernandes dos Santos, coordenadora do CAPS na cidade, em média, o número de internações por semana não chega a duas pessoas nos dois hospitais psiquiátricos. A cidade tem um CAPS para atendimento adulto e está construindo uma unidade para atendimento infantil.
Em Guarulhos, quatro pacientes foram internados em 2013, sendo duas internações voluntárias. As outras duas foram originalmente iniciadas por meio de decisão judicial, mas que se transformaram em tratamento voluntário. A cidade tem sete CAPS.
Em Santos, a prefeitura informou que não houve internações compulsórias para tratamento a viciados em drogas e álcool, mas não informou o número de internações voluntárias ou involuntárias.
Em Sorocaba e em Tatuí não foram registradas internações involuntárias e compulsórias. Em Itapetininga foram feitas três internações compulsórias.
ABC Paulista
Em Diadema, a prefeitura informou que todas as internações no CAPS AD (álcool e drogas) foram voluntárias desde o inicio do ano. São oito pacientes viciados em crack, sendo que sete deles iniciaram o tratamento após 21 de janeiro nas cinco unidades de CAPS da cidade.
Em Santo André, a Secretaria de Saúde informou que, até esta sexta-feira (22), foram feitas quatro internações voluntárias no CAPS AD, sendo uma mulher e três homens. Ainda nesta sexta-feira, um mandado judicial foi recebido pela pasta para cumprimento de uma internação compulsória de um adolescente de 16 anos viciado em crack. O caso, no entanto, ainda passará por análise da coordenação de Saúde Mental do município.
Ainda em Santo André, existem seis leitos na enfermaria e emergência psiquiátrica no Centro Hospitalar Municipal (CHM). A cidade dispõe de quatro CAPS, sendo um adulto e 24 horas para tratamento de vício em álcool e drogas, um infantil também 24 horas e dois para transtornos mentais.
Em São Bernardo, a Secretaria de Saúde informou que mantém um modelo diferente do adotado pelo governo do estado para tratar pacientes com transtornos mentais como às pessoas em uso abusivo de álcool e outras drogas. A estratégia municipal direciona o tratamento à ressocialização e ao restabelecimento dos vínculos familiares, além da recuperação da autonomia, da dignidade humana e da liberdade, entre outros direitos.
A secretaria de Saúde de São Bernardo também informou que é contra a internação compulsória e considera que a medida exclui o usuário do convívio social e que, terapeuticamente, se restringe à desintoxicação e à medicalização, com internações prolongadas em serviços fechados.
Ainda em São Bernardo, a ação de tratamento a viciados em drogas, de acordo com a pasta municipal, segue a política nacional do Ministério da Saúde, de projetos terapêuticos individualizados. O atendimento é feito por equipes multidisciplinares. O Consultório de Rua cadastrou 50 pontos de concentração de moradores de rua no município, onde é frequente o consumo de álcool e outras substâncias psicoativas. Mais de 500 pessoas são atendidas nestes locais.
São Bernardo tem um CAPS álcool e drogas para adultos, 24 horas, e outro CAPS AD Infanto-Juvenil também 24 horas. A cidade também dispõe de um Consultório de Rua, um Pronto-Socorro Psiquiátrico, um núcleo de arte para este tipo de paciente, uma república terapêutica para adulto e outra para pacientes infanto-juvenis.
Tratamento às cegas
A inexistência de um modelo de procedimentos para o tratamento dos usuários de crack dificulta a recuperação de dependentes da droga. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), a falta de padrão no atendimento facilita as recaídas e colabora para que um terço dos consumidores morra em decorrência do vício.
Em agosto de 2011, na tentativa de estabelecer normas para tratamento, o Conselho Federal de Medicina apresentou o documento chamado "Diretrizes Gerais Médicas para Assistência Integral ao Usuário do Crack", em que preconiza que o período de internação para "limpeza" do organismo deve durar entre 7 e 14 dias. O texto aponta indícios que devem ser investigados pela equipe médica ao ter contato com o paciente e quais remédios devem ser usados para inibir a vontade de consumir a droga.
A diretriz mostra também a necessidade de um tratamento multidisciplinar, cuidando tanto da parte física quanto das questões psicológicas e de sociabilidade do dependente, na tentativa de prevenir recaídas. O conselho alerta para que os médicos verifiquem outras doenças que possam estar associadas ao uso do crack e orientem o dependente químico para tratá-las.
Algumas clínicas apostam na religiosidade ou em doutrinas que buscam inibir o consumo de álcool ou tabaco para convencer o dependente da cura. Outras preveem rotinas de atividades físicas e escolares, horários regrados e alimentação controlada, além do uso de medicação e acompanhamento psicológico.
Onde estão os viciados em crack?
Sem definição sobre a maneira mais eficiente de prevenir, recolher, entrevistar e tratar quem usa crack, clínicas particulares e unidades estaduais e municipais adotam normas diferentes de atuação. Também não há banco de dados dos pacientes, com informações interligadas pelo Ministério da Saúde, impossibilitando que médicos conheçam histórico de tratamento e medicamentos usados pelos dependentes com mais de uma internação, por exemplo.
O plano "Crack, é possível vencer", lançado em 7 de dezembro de 2011, prevê um trabalho conjunto entre os governos federal, estaduais e municipais nas áreas da saúde, segurança pública, defesa de fronteiras e assistência social.
A pesquisa encomendada pela Presidência da República à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em maio de 2010, custou R$ 6,914 milhões. Segundo o professor e coordenador da pesquisa, Francisco Inácio Bastos, não há previsão para conclusão.
Outro trabalho, da Universidade Federal de São Paulo, apontou o país como maior mercado mundial do crack, onde 2% da população faz uso da droga (2,8 milhões de jovens e adultos). De acordo com o estudo, o Sudeste concentra o maior número de usuários (46%), seguido pelo Nordeste (27%) e pelo Norte (10%).
Cracolândia
Um ano após a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual intensificarem as ações contra o crack, a chamada cracolândia no Centro da capital resiste e ganha "filiais". Dados da administração municipal e da Defensoria Pública, relatos de policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes químicos, além de flagrantes do G1, indicam que ruas e avenidas da região central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. Moradores de bairros das zonas Sul, Norte, Leste e Oeste da cidade também passaram a conviver com usuários reunidos em minicracolândias.

* A apuração das informações para esta reportagem foi feita por jornalistas de: G1 Campinas e Região, G1 Mogi das Cruzes e Suzano, G1 Santos, G1 Sorocaba e Região, G1 Vale do Paraíba e Região.

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