4.22.2013

Igualdade racial se aprende na escola

Em vigor há dez anos, lei combate o racismo com o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira em salas de aula, mas a implementação tem sido lenta.

Por Thiago Borges


       No projeto “Traçando e trançando os laços da igualdade racial”, do Centro de Educação Infantil Onadyr Marcondes, as crianças veem gravuras de negros e também espelhos, para estimular a identificação. (Cortesia do CEI Onadyr Marcondes)
No projeto “Traçando e trançando os laços da igualdade racial”, do Centro de Educação Infantil Onadyr Marcondes, as crianças veem gravuras de negros e também espelhos, para estimular a identificação. (Cortesia do CEI Onadyr Marcondes)
SÃO PAULO, Brasil – Mateus queria ser branco.
Aos 4 anos, ele reclamou com a mãe que não gostava de ser negro.
“Eu expliquei para ele várias vezes que ser negro também é bonito”, diz a manicure Danielly Campos da Mata, mãe de Mateus. “Hoje, quando vê uma pessoa negra na rua, ele diz: ‘Que pessoa linda, mamãe!'”.
A aceitação ocorreu somente porque a pré-escola onde Mateus estudava incluiu a igualdade racial no currículo.
Localizada no Jardim Maria Luiza, bairro pobre da zona sul de São Paulo, o Centro de Educação Infantil (CEI) municipal Onadyr Marcondes envolve a comunidade na discussão do currículo e estimula professores a escutar as manifestações das crianças.
“Começamos a notar observações muito fortes”, recorda Luci Aparecida Guidio Godinho, que até o ano passado era diretora da escola. “As crianças diziam, por exemplo, que não queriam brincar com boneca negra porque era ‘feia’ ou ‘suja’.”
Em 2011, Luci implantou na escola o projeto “Traçando e trançando os laços da igualdade racial”. Os professores passaram a utilizar músicas e danças de origem africana nas brincadeiras e a ler livros como “O Cabelo de Lelê”, em que a protagonista não gosta de seus cachos até descobrir a beleza de sua herança num livro sobre a África.

       Na semana da Consciência Negra, em novembro, adolescentes da escola estadual Armando Gaban, em Osasco (SP), apresentaram raps sobre desigualdades sociais no projeto “Hip Hop Gaban”. (Cortesia de Jair Messias Ferreira Junior)
Na semana da Consciência Negra, em novembro, adolescentes da escola estadual Armando Gaban, em Osasco (SP), apresentaram raps sobre desigualdades sociais no projeto “Hip Hop Gaban”. (Cortesia de Jair Messias Ferreira Junior)
“Não queremos negar a cultura europeia. Queremos ressaltar a africana e indígena e mostrar que há outras formas de ver o mundo”, diz a coordenadora pedagógica Renata Cristina Dias Oliveira.
Além de atividades culturais e desfiles para valorizar a beleza negra, as crianças já marcharam pelo bairro com faixas contra o preconceito.
Em 2013, Luci deixou a direção da escola porque foi convidada pela Secretaria Municipal de Educação para implantar o projeto em outras escolas de São Paulo.
A iniciativa é respaldada pela lei 10.639, sancionada em 9 de janeiro de 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Esta lei alterou as diretrizes e bases da educação nacional ao obrigar o estudo de História e Cultura Afro-Brasileira em creches, escolas e universidades.
“Ao incorporar a questão afro-brasileira na educação, temos o reconhecimento dessa cultura como elemento civilizatório [de nosso país]”, observa Ângela Nascimento, secretária de ações afirmativas da Secretaria de Políticas e Promoção da Igualdade Racial (Seppir). “Os negros são 50,7% da população brasileira, mas o papel deles na formação da sociedade estava restrito à escravidão nos livros de História.”
Nesses dez anos desde que a lei foi sancionada, o Ministério da Educação (MEC) capacitou 42.000 professores e distribuiu 8.000 coleções sobre a História Geral da África a bibliotecas públicas, universidades e grupos de pesquisa.
Em 2012, o ministério lançou um edital para comprar livros didáticos que abordem o tema.

       A professora Jacilene Ferreira de Lima utiliza instrumentos musicais africanos em suas aulas no Centro de Educação Infantil Onadyr Marcondes. “A proposta dessa escola me fez enxergar o preconceito de uma forma reflexiva. Agora sei como enfrentá-lo”, diz ela. (Cortesia do CEI Onadyr Marcondes)
A professora Jacilene Ferreira de Lima utiliza instrumentos musicais africanos em suas aulas no Centro de Educação Infantil Onadyr Marcondes. “A proposta dessa escola me fez enxergar o preconceito de uma forma reflexiva. Agora sei como enfrentá-lo”, diz ela. (Cortesia do CEI Onadyr Marcondes)
Mas o MEC reconhece que não sabe quando todos os docentes estarão capacitados para tratar o tema na sala de aula, quantos alunos estão sendo beneficiados nem como e onde a lei está sendo aplicada.
O cumprimento depende das secretarias municipais e estaduais de educação e, principalmente, dos diretores das escolas.
Em 2008, a Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc-RJ) criou um comitê para acompanhar a implementação da lei em suas 1.314 escolas. Periodicamente, as delegacias regionais de ensino trocam informações e experiências com professores e diretores.
O ensino da História e Cultura Afro-Brasileira também faz parte do currículo das escolas estaduais de São Paulo. A secretaria oferece capacitação aos professores por meio de videoconferências pela internet e os professores desenvolvem o conteúdo com suporte do material distribuído pelo governo, segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
Mas cada escola tem autonomia para cumprir a lei como bem entender.
“A lei 10.639 é aplicada de maneira pontual”, diz Cida Bento, diretora-executiva da ONG Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). “E isso acontece porque falta monitoramento do MEC e interesse das secretarias e escolas. O Brasil nunca lidou bem com a constituição histórica de seu povo.”
Mas Cida destaca que, em todo o país, há iniciativas independentes de professores e diretores.
Em dez anos, o Ceert reuniu 2.000 práticas pedagógicas que envolveram 7.000 professores no ensino de História e Cultura Afro-Brasileira.
A cada ano, os melhores são indicados pelo Ceert ao prêmio “Educar para a Igualdade Racial: Experiências de Promoção da Igualdade Étnico-racial no Ambiente Escolar”. O projeto do CEI Onadyr Marcondes foi o vencedor na categoria Educação Infantil em 2012.
Outra iniciativa premiada no ano passado foi o “Hip Hop Gaban”, em que alunos da escola estadual Armando Gaban, em Osasco (SP), criam letras de rap sobre a questão racial.
“Ao compor a letra, a gente entendeu melhor as desigualdades sociais”, diz o estudante Lucas Samuel da Silva, 16.

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