6.17.2013

A pílula que age como um plano B

Acesso a contraceptivo de emergência é fácil no Brasil, mas não pode ser usado como primeira opção para evitar gravidez

Flávia Milhorance
Mulher toma pílula do dia seguinte
Foto: Anthony West / Corbis
Mulher toma pílula do dia seguinte Anthony West / Corbis
Uma batalha judicial de dez anos terminou esta semana, nos EUA, com a liberação da venda de medicamentos de contracepção de emergência, as chamadas pílulas do dia seguinte, para mulheres de todas as idades e sem prescrição médica. Lá a discussão ocorreu entre o governo federal e a Justiça, também permeando grupos religiosos e feministas. No Brasil, esta regulamentação é, no mínimo, confusa. Mas o Ministério da Saúde e especialistas defendem que a pílula não é abortiva e tem pouca contraindicação, só não deve substituir métodos contraceptivos.
Em abril, o ministério divulgou um protocolo para facilitar o acesso à pílula do dia seguinte, liberando-a na rede pública sem consulta médica. Enquanto isto, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o contraceptivo ainda é vendido em farmácias sob tarja vermelha, ou seja, com a apresentação da receita. O ministério alega que na rede pública a mulher pode ser acolhida por um profissional, que não necessariamente o médico.
— O Brasil é um pouco fantasioso. Permitir que o governo ofereça gratuitamente e sem restrição a pílula na unidade pública, mas exija a receita na farmácia é incoerente. A grande verdade é que não se exige receita na compra, e não há debate sobre isso — critica Aurélio Villafranca Saez, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip).
Joana Oliveira, de 27 anos, conta não ter precisado de receita no Brasil:
— Usei três vezes. Duas vezes na Espanha, onde morei, e uma no Brasil. Lá eu tive que passar no médico para ter a receita, foi meio constrangedor. Aqui comprei sem prescrição. Não senti nada em nenhuma das vezes.
A Abimip vem tentando um diálogo sobre o tema com a Anvisa. A associação cita a perda de eficácia após 48 horas e a baixa toxicidade do medicamento para o organismo. Mas, apesar do baixo risco, os efeitos colaterais não são raros entre as mulheres que fazem uso da pílula. Enjoo, cólicas e atraso na menstruação são os mais relatados.
— Tive uma cólica muito grande nas vezes em que usei, mas nada insuportável. Também não demorou muito para passar — conta Nathalia Brancatto, de 28 anos, que hoje usa o anticoncepcional tradicional como método.
Doze marcas são liberadas pela Anvisa com a fórmula do hormônio levonorgestrel (com 0,75 mg ou 1,5 mg). Em 2010, a agência interrompeu a venda de Femina, Uno, Postinor e Postinor 2, medida adotada após uma inspeção na fábrica de Budapeste, na Hungria, a qual “não estava em conformidade com a legislação sanitária brasileira”.
Perda de eficácia e doses altas de hormônio
A ginecologista Renata Aranha, professora da Faculdade de Medicina da Uerj, explica que pode-se tomar dois comprimidos (de 0,75mg) com espaço de 12 horas; ou apenas um (1,5 mg). Pouco usual, mas ainda existente em localidades rurais, é o uso da pílula anticoncepcional tradicional em dosagem aumentada. Ela defende a não prescrição do remédio, mas alerta para que seu uso seja apenas eventual.
— A norma burocratiza a prescrição e retarda o momento do uso da pílula. Mas ela não pode ser considerada um método, é uma alternativa à falha dele. É importante ressaltar que ela não é isenta de risco — afirma Renata.
A especialista explica que a pílula é uma dose alta de hormônio para ser usada repetidamente, e pode ter consequências ainda desconhecidas. É prejudicial a cardiopatas graves e a pessoas com câncer, além de menos segura do que o anticoncepcional convencional; também não previne contra doenças sexualmente transmissíveis. Na bula, diz ainda que o índice de falha é maior quando usado mais de uma vez.
Mesmo com efeitos colaterais e riscos, ela é popular. Um estudo da Casa da Adolescente, da Secretaria estadual de Saúde de São Paulo, mostrou que 23% das jovens de 10 a 15 anos já usaram a pílula do dia seguinte. E uma pesquisa do Programa de Estudos em Sexualidade da USP mostra que entre 60% a 70% dos jovens na faixa dos 18 a 25 anos fazem sexo sem proteção.
— Junto da prescrição, vem a orientação médica. Por outro lado, o sexo vem sendo feito sem os devidos cuidados e com ocorrência de gravidez não levada adiante, acabando em abortos clandestinos, o que traz alto risco para a mulher — comenta a psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do programa.
Este drama aconteceu com uma mulher de 31 anos que pediu anonimato. Mesmo tendo tomado a pílula, engravidou. E recorreu a um aborto:
— Já tomei umas cinco vezes, ou porque na empolgação não usei a camisinha ou quando ela estourou. Da última, no dia seguinte pedi a pílula na farmácia, ninguém perguntou nada, nem deu orientação. Como a menstruação atrasa, pensei inicialmente que fosse isso. Mas depois de uma semana fiz o teste e descobri a gravidez.
Serviço
O que é: A pílula do dia seguinte é composta de progesterona (levonorgestrel), que atua por um curto período de tempo nos dias seguintes à relação sexual.
Em que situações usar: Para prevenir a gravidez indesejada, até 72 horas após a relação desprotegida. Em casos de violência sexual, falta ou uso inadequado de contraceptivos (rompimento da camisinha, deslocamento do diafragma, esquecimento da pílula, erro no cálculo da tabelinha).
Quando não usar: A pílula é segura para uso pontual, mas não como método anticonceptivo regular, perdendo eficácia e podendo trazer complicações pelo uso acumulado de uma dose alta de hormônio. Também não previne DST e AIDS. Nem evita a gravidez quando é ingerida antes da relação sexual.
Dosagem: A dosagem geralmente é única, de um comprimido de 1,5 mg de levonorgestrel; ou em dois comprimidos de 0,75mg, tomados em espaço de 12 horas.
Eficácia: Se for utilizada nas primeiras 24 horas após a relação, tem eficácia de 98%; de 25 a 48 horas, 75%; entre 48 até 72 horas, de 68%; tem efeito até cinco dias depois, mas de 18%.
Efeitos colaterais: Náusea, vômito, dor de cabeça, dor nos seios ou no abdômen; pode atrasar a menstruação.
Contraindicação: Apenas em gravidez confirmada. Podem usar o método mesmo mulheres com contraindicações ao uso de anticoncepcionais, diz o Ministério da Saúde.
Onde conseguir: Remédios com prescrição em farmácia, custam entre R$ 10 e R$ 25. Nas unidades de saúde, a distribuição é gratuita e sem necessidade de consulta médica.

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