9.01.2013

Hot ioga: busca por bem-estar físico e mental a 42º C

Uma prática escaldante chamada bikram ioga promete eliminar toxinas e acabar com o estresse ao elevar – muito – a temperatura da sala de aula

ANA LUÍZA CARDOSO
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NO SUFOCO Praticantes de bikram ioga se exercitam – e suam – em aula no Rio de Janeiro. Os iniciantes passam mal (Foto: Eduardo Zappia/ÉPOCA)



Bikram ioga não é para os fracos. Esqueça as janelas abertas, os sons da natureza e os incensos. O praticante de bikram, também conhecida como hot ioga, ou ioga do calor, se fecha numa sala com a temperatura de 42 graus e treina 26 posições de alongamento e equilíbrio na busca do bem-estar físico e mental. Na sala com aquecedores de infravermelho, só é permitida a entrada de uma garrafa de água, um tapete de ioga e duas toalhas. É preciso ter disciplina. O aluno deverá beber 4 litros de água durante o dia. Na aula, só quando o professor permitir. Sentir náuseas e tonturas é normal, dizem os instrutores – ao menos nos quatro primeiros treinos. Criada há mais de 40 anos, a bikram conquistou seguidores como George Clooney, Jennifer Aniston e Lady Gaga. Mesmo com a rotina puxada de exercícios – e as contraindicações apontadas pelos médicos –, a cada dia atrai mais adeptos no Brasil.
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Essa forma de ioga promete definir a musculatura, eliminar toxinas e acabar com o estresse. Pode queimar 1.000 calorias em uma hora e meia. Para conseguir esse mesmo resultado, só encarando atividades mais intensas, como uma corrida na esteira ou um jogo de basquete. Mas tome cuidado: a bikram ioga pode ser arriscada. Para Serafim Borges, cardiologista da Seleção Brasileira e especialista em medicina esportiva, a alta temperatura pode provocar queda de pressão, arritmias cardíacas e desidratação. “Os riscos da atividade são maiores que os benefícios”, diz Borges.

Em sua primeira aula, a carioca Patrícia Ferrandini, de 33 anos, quase jogou a toalha – e o tapete de ioga. Ela procurava uma atividade física que aliviasse a tendinite e as dores na região lombar. Ouviu falar da bikram e resolveu experimentar. No primeiro treino, o calor e o suor incomodaram tanto que ela não conseguiu fazer as posições. Aos poucos, sentiu o corpo pesar e a pressão cair. “O primeiro treino foi horrível. Só voltei para a bikram porque gosto de desafios”, diz Patrícia. Um ano e meio depois, grávida de quatro meses, ela treina três vezes por semana na mesma sala quente. O obstetra que acompanha a gestação ficou preocupado. Como Patrícia já praticava havia mais de um ano, o médico permitiu os exercícios. Ela diz evitar algumas posições e afirma que seu corpo e sua mente nunca estiveram tão fortes.

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Nem todos suportam a temperatura alta. Segundo a dona da academia Bikram Yoga Brasil, a paulistana Yuri Scott, a cada dez alunos que encaram a sauna de meditação, três desistem e fogem para nunca mais voltar. Yuri fundou a primeira academia de bikram no país em outubro de 2011. Instalada na Zona Oeste do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, ela começou com 80 inscritos e hoje conta com 260 alunos. “Quantas vezes você largou um projeto sem ao menos começá-lo? Esqueça seus medos e estique o corpo. Estique, estique, estique...”, diz, num tom que vai da cobrança à compreensão durante as aulas. Somos 34 pessoas em roupas leves ou trajes de banho, com rostos vermelhos e cobertas de suor, tentando se equilibrar na ponta dos pés. A sala parece uma sauna cercada por espelhos. No momento em que Yuri transmite esse encorajamento, me pego pensando em desistir desse meu “projeto”, em troca de um pouco de ar fresco. Uma mulher a minha frente desiste da aula e se deita, se sente mal. “As pessoas se subestimam muito. Preciso provar que elas são capazes de suportar qualquer dor”, diz Yuri. “Quando aprenderem a ficar 90 minutos numa sala aquecida, nada mais poderá incomodá-los.” Quem já enfrentou o desafio sabe que o erro mesmo é subestimar o calor.
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Para dar aulas, Yuri estudou na Bikram Yoga’s College, em Los Angeles. O treinamento durou nove semanas, com práticas diárias de até quatro horas com o criador da técnica, o indiano Bikram Choudhury. Ele começou a treinar ioga aos 4 anos, em Calcutá. Aos 13, ganhou o National India Yoga Contest. Aos 17, sofreu um acidente. Seus médicos informaram que ele não conseguiria mais andar. Com ajuda do guru indiano Bishnu Ghosh, ele se recuperou e aprendeu a técnica que o transformou num grande empresário da ioga. Abriu seu primeiro estúdio em 1972, em Beverly Hills, na Califórnia. Dava aulas de graça e vivia de doações. Hoje, é uma estrela. Dá aulas de sunga e diz ter 67 anos (aparenta uns 15 a menos). Vende CDs, livros e tem mais de 5 mil franquias espalhadas pelos seis continentes. Durante as aulas, costuma gritar “No pain, no gain” (“Sem sacrifício, sem benefício”) para mais de 500 alunos nas “câmaras de tortura”, o apelido das salas aquecidas. O intuito é provocar os brios dos alunos, como se cada aula fosse uma vitória pessoal. No começo do ano, Choudhury foi acusado de estupro, assédio sexual e racismo por três seguidoras. Numa nota publicada em seu site, disse estar desapontado com as acusações. Durante os treinos nos Estados Unidos, a paulistana Andrea Wellbaum, que inaugurará uma academia de hot ioga neste mês, diz que Choudhury fazia comentários preconceituosos. “Os homofóbicos e machistas eram constantes”, diz Andrea. “Havia dias que eu queria fugir das aulas.”

No Brasil, só existiam duas academias certificadas por Choudhury, ambas no Rio de Janeiro. A de Andrea, em São Paulo, será a terceira, e a de Cassiano Garcia, em Florianópolis, a quarta. Eles apostam no frio do inverno para atrair alunos interessados em se aquecer – e esperam que, até o verão, eles tomem gosto pela modalidade e continuem dispostos a encarar a sala quente em pleno calor tropical. “O inverno torna a atividade mais atraente para os iniciantes, mas, depois do treino, o calor não importará mais”, diz Garcia. A empresária Maria Isabel Gaspariani, de 48 anos, resistiu ao desconforto das primeiras aulas e, há dois anos, pratica hot ioga regularmente. Diz ter abandonado os remédios para ansiedade e passado a dormir melhor. “No início, ficava atenta ao calor e ao suor. Com o tempo, aprendi a me concentrar. A prática me fortaleceu. Agora, raramente me estresso”, diz Maria Isabel.

 

As modas de verões (e invernos) passados (Foto: Glowimages (2), Getty Images/Aurora Open e Newscom/Glowimages)


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