12.04.2013

Aids: os tabus que ainda amarram o teste de HIV

A doença é séria e, apesar dos avanços recentes, permanece ligada a preconceitos. O teste de HIV é fácil, rápido e indolor, mas quase ninguém faz. Entenda as barreiras a essa arma decisiva no controle da aids.

Atualizado em 03/12/2013
André Biernath
Foto: Getty Images
A partir de fevereiro de 2014, o teste rápido para a detecção do HIV será vendido em farmácias, o que ajuda no diagnóstico precoce da doença. Ele será feito com a saliva e fica pronto em 20 minutos. Hoje, detectar a doença ficou mais fácil, pois os métodos diagnósticos, criados em 1985, evoluíram bastante e estão na quarta geração. Só que muitos fatores ainda atrapalham o diagnóstico da doença. Além do medo da morte e do sofrimento físico e emocional, muita gente não faz o exame por causa do preconceito que relaciona ao HIV à promiscuidade e ao uso de drogas ilícitas. Mesmo que a quantidade de exames realizados no Brasil tenha aumentado nos últimos seis anos - foi de 3,3 milhões em 2005 para 6,3 milhões em 2011 - muita gente não sabe que está infectada. Os números do  Ministério da Saúde confirmam: de um total de 530 mil soropositivos no país, 135 mil desconhecem que estão com a doença.

Peste gay já apavora São Paulo.” Essa foi a manchete do jornal Notícias Populares do dia 12 de junho de 1983, um ano marcado pela explosão mundial do número de casos da aids, doença causada pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV. O grau de desinformação era tão grande que surgiram diversos mitos acerca da síndrome — um dos mais corriqueiros, evocado pela matéria do extinto periódico paulista, é que a nova epidemia era restrita a homossexuais.

“Naquela época, receber o diagnóstico parecia assinar uma sentença de morte”, lembra o psicólogo Esdras Vasconcellos, professor da Universidade de São Paulo e diretor científico do Instituto Paulista de Stress, Psicossomática e Psiconeuroendocrinoimunologia. O especialista, que acompanhou a doença desde os seus primeiros casos no Brasil, se recorda do impacto no imaginário provocado pela infecção nos anos 1980 e 90. “O estigma era tão forte que muitas pessoas morreram não pela deterioração do sistema imunológico, mas pelo medo de enfrentar o problema”, opina.

Passados 30 anos, diversos preconceitos ainda persistem e atrapalham os esforços que visam flagrar o HIV o mais cedo possível. Dados do Ministério da Saúde calculam que, atualmente, 530 mil brasileiros são soropositivos. Desses, 135 mil nunca realizaram um teste e, portanto, não sabem que estão infectados — e a aids leva uma média de seis a sete anos para dar sintomas. “O diagnóstico precoce seguido do tratamento diminui consideravelmente a agressão do vírus ao corpo”, afirma o médico Caio Rosenthal, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, na capital paulista.

Um estudo do Hospital Geral de Massachusetts, nos Estados Unidos, reforça a importância de saber que o HIV está circulando pelo organismo e partir para o contra-ataque. Os pesquisadores viram que 93% dos pacientes que iniciaram a medicação antirretroviral após a detecção precoce sobreviveram, ante 83% daqueles que postergaram o uso dos fármacos. Isso sem contar que, ao saber da soropositividade, fica mais fácil adotar medidas preventivas a fim de não transmitir o vírus para os outros — e até não se infectar com outros subtipos do inimigo, piorando tudo.

A quantidade de exames realizados no Brasil aumentou, passando de 3,3 milhões em 2005 para 6,3 milhões em 2011. “Mas necessitamos que esse número cresça cada vez mais”, ressalta o infectologista Fábio Mesquita, diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. “Nossas próximas campanhas vão focar justamente no teste de HIV, já que ele é a porta de entrada para qualquer atitude no tratamento e controle da aids”, antecipa.

O grande impedimento para que os testes não se popularizem aqui ainda parece ser o temor diante do vírus. Um levantamento do Emílio Ribas revelou o seguinte: 20% dos indivíduos que fazem o exame não voltam para pegar o resultado. “Há um temor da morte, do sofrimento físico e emocional e, sobretudo, do preconceito que relaciona a doença à promiscuidade e ao uso de drogas ilícitas”, diz o urologista Sylvio Quadros, chefe do Departamento de DST da Sociedade Brasileira de Urologia. Mas os tabus não param por aí...

Uma segunda barreira na popularização dos testes anti-HIV se encontra exatamente na classe médica. “Existem estudos revelando que o profissional da saúde elege alguns perfis que ele considera precisarem da checagem e, assim, exclui uma parcela da população importante que deveria passar pelo exame”, aponta o sociólogo Alexandre Grangeiro, do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A responsabilidade por buscar o teste não deve ser transferida totalmente para a iniciativa individual. “Ginecologistas, urologistas e clínicos poderiam ter um comportamento mais proativo e receitá-lo para todos os indivíduos que estejam sexualmente ativos”, sugere Grangeiro.

Muitas vezes, o receio de que o paciente fique ofendido com um pedido delicado impossibilita que diversos casos da infecção sejam detectados. “Essa questão dos médicos está cada vez mais superada, até porque grande parte tem a consciência de que o teste é relevante”, acredita o infectologista Aluísio Cotrim Segurado, do comitê de retrovírus (HIV/HTLV) da Sociedade Brasileira de Infectologia. Uma medida interessante, que acontece em países como os Estados Unidos, seria incluir a procura pelo vírus do HIV nos checkups anuais, junto com os exames de rotina como o hemograma, o colesterol e a glicemia.

Muita labuta pela frente

As próprias empresas têm um papel a desempenhar na luta contra o HIV e seus tabus. Uma pesquisa do Ministério do Trabalho e Emprego mostra que apenas 14% das companhias nacionais realizaram alguma campanha de prevenção à aids no último ano. Para piorar, 48% delas não veem necessidade em fazer ações de tal natureza e 13% alegam falta de interesse no tema. Elaine Saad, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos, acredita que ações corporativas no combate a essa e a outras doenças sexualmente transmissíveis é fundamental. “Além de sua função econômica, a empresa tem uma missão a cumprir na sociedade e, de acordo com seus objetivos, deve investir em temas como esse.”

Obviamente, um exame anti-HIV não pode servir para bloquear a contratação de um soropositivo ou para demitir um funcionário — o diagnóstico, inclusive, é proibido na consulta admissional. Mas os estigmas ainda permanecem: 36% dos soropositivos relatam piora na condição financeira e 20% chegam a perder o emprego depois de o teste acusar a presença do vírus. Ora, se o trabalho não envolve um risco considerável de acidentes com cortes, a soropositividade não impede nenhum profissional de exercer o seu ofício.

O coquetel antirretroviral, conjunto de fármacos tomados pelo resto da vida, evoluiu tanto que a aids já é considerada hoje doença crônica. Dá pra viver bem com o problema, mas não há como resolvê-lo de vez. Enquanto as apostas de cura ficam na manipulação genética ou em drogas mais eficientes, existe uma maneira bem simples e eficaz de desatar os nós que amarram o HIV: a informação sem tabus. Seja para o diagnóstico, seja para a prevenção.

O que fazer após uma situação arriscada?

Se você fez sexo sem camisinha e está muito preocupado, não adianta sair correndo. A recomendação é aguardar até três semanas para se submeter ao exame. Esse é o tempo que o sistema imune leva para criar anticorpos contra o HIV. Mas, se o risco de infecção for pra lá de alto, procure o serviço de saúde em até 72 horas. “A prescrição de drogas nesse período pode evitar que o vírus invada as células de defesa”, diz o infectologista Gabriel Cuba, do Hospital 9 de julho, em São Paulo.


Onde eu posso fazer os exames?

Os testes anti-HIV estão disponíveis no Sistema Único de Saúde e nos Centros de Testagem e Aconselhamento de todo o país. Esses locais disponibilizam um serviço psicológico tanto antes quanto depois do diagnóstico. “O apoio de psicólogos e assistentes sociais é essencial, principalmente para passar informações corretas e confiáveis sobre a doença”, afirma Caio Rosenthal. Para saber o posto mais perto de sua casa, acesse o site do Ministério da Saúde ou ligue para 156.

Vírus rastreado

Os métodos de diagnóstico foram criados em 1985 e evoluíram bastante nesses anos — já estamos em sua quarta geração

Elisa

Foi um dos primeiros a serem lançados, lá na década de 1980. Ele flagra os anticorpos produzidos pelo sistema imune no combate ao vírus do HIV. É preciso retirar uma amostra de sangue e esperar alguns dias para saber se deu positivo ou negativo. “Ele tem 99,7% de sensibilidade e uma possibilidade mínima de erro”, conta o infectologista Celso Granato, assessor médico do Fleury Medicina e Saúde.

Western Blot

“Se o exame preliminar der positivo, o protocolo é pedir um teste confirmatório, que costuma ser o Western Blot”, relata a infectologista Maria Lavínea Figueiredo, do Delboni Auriemo Medicina Diagnóstica. Por ser mais caro, só é indicado para as situações em que o risco de soropositividade é elevado. Seu nível de acurácia é ainda maior que o Elisa. A resposta também demora um tempinho, pois o sangue passa por análise em laboratório.

Testes rápidos

Basta furar o dedo e colher uma gotinha do líquido vermelho, que é colocada numa fita reagente. O resultado sai em 20 minutos, uma estratégia promissora para aqueles
que não têm coragem de voltar para pegar os papéis. “Se der positivo, o paciente é encaminhado para tratamento no sistema público”, explica a psicóloga Judit Lia Busanello, diretora do Centro de Referência e Treinamento em DST/Aids, em São Paulo.

Exame de saliva

Ele poderá ser comprado em farmácias e revela em minutos se o vírus está no pedaço. Aprovado nos Estados Unidos, deve chegar ao mercado brasileiro em janeiro ou fevereiro de 2014, segundo o Ministério da Saúde. A angústia dos médicos é saber como vai ficar a estrutura emocional das pessoas que descobrirem um resultado positivo sozinhas, sem suporte especializado. 

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