9.28.2013

Os testemunhos das mulheres que ousaram combater a Ditadura Militar

A Comissão Nacional da Verdade, criada para elucidar crimes cometidos durante o período acaba de completar um ano. Antes de seu encerramento em 2014, tem como uma de suas principais missões contar o que sofreram as mulheres que foram contra o regime. São brasileiras hoje na faixa do 60 anos, como as ouvidas por Marie Claire: vítimas de estupros, choques nos mamilos, ameaças aos filhos, abortos...


DA ESQ. PARA A DIR.: AMÉLIA TELES, ANA MARIA ARATANGY E CRIMÉIA DE ALMEIDA (Foto: FABIO BRAGA E TADEU BRUNELLI)
Em pé sobre uma cadeira, nua, encapuzada e enrolada em fios, Ana Mércia Silva Roberts, então com 24 anos, esforçava-se para manter os braços abertos, sustentando uma folha de papel presa entre os dedos de cada mão. Ela estava naquela posição havia horas. A cada vez que o cansaço lhe fazia baixar minimamente os braços, um choque elétrico percorria todo seu corpo. E as gargalhadas preenchiam a pequena sala. Eram vários homens, talvez oito, talvez dez. Cada um com um rosto, uma história, uma vida. “Um dos meus torturadores poderia ser meu avô, um senhor de gravata-borboleta para quem eu daria lugar no ônibus; o outro era um loiro com chapéu de caubói. Havia um homem com jeito de pai compreensivo que chegou a me dar um chocolate, e um jovem bonito com longos cabelos escuros, que andava de peito nu, ostentando um crucifixo, de codinome Jesus Cristo”, afirma.
O rosto desses algozes, integrantes da repressão militar, e as cenas do dia em que teve de ser estátua viva perante eles são parte das lembranças que Ana Mércia, hoje 66, guarda de quase três meses de prisão no DOI-Codi e no Dops, dois centros paulistanos de tortura e prisão de oposicionistas ao regime militar, instaurado sete anos antes. Integrante do Partido Operário Comunista, ela esteve nos porões da ditadura em 1971, mesma época em que o País vivia a prosperidade do “milagre econômico” e o ufanismo alimentado pela conquista da Copa de 70 e por slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Nos meses em que ficou encarcerada, seu corpo e mente foram massacrados de diversas formas. Mas não é ao descrevê-las que seus olhos ficam marejados. “Estranhamente, eu não me lembro de quase nada daquelas semanas, meses. Fiz terapia, mas não consigo recuperar esses trechos da minha vida. O que mais me dói é isso. Vários pedaços de mim e da minha existência não me pertencem, ficaram com eles (os militares)”. Ana Mércia é uma mulher com pouca memória das torturas daqueles porões. E é também uma metáfora do próprio Brasil, que segue desmemoriado das histórias do regime militar (1964 a 1985) quase 30 anos depois do fim da ditadura. A diferença entre Ana Mércia e o Brasil é que ao País foi dada a chance de recuperar e registrar os detalhes de sua história. É essa a missão da Comissão Nacional da Verdade, criada pela presidenta Dilma Rousseff (ela mesma vítima de torturas do Estado) e que tornou acessíveis uma série de papéis até então secretos. Desde maio de 2012, 19 milhões de páginas de documentos foram retirados de seus arquivos e estão em análise, e cerca de 350 pessoas foram ouvidas. É um movimento delicado e, para muitos, atrasado. Até então, o Brasil já havia debatido por anos como lidar com a violência da época.
INTEGRANTES DO GRUPO "TEATRO EM GREVE CONTRA A CENSURA" PROTESTAM NO RIO DE JANEIRO EM FEVEREIRO DE 1968 (Foto: Gonçaves (CPDOCJB))

Flusão campeão vence mais uma

Fluminense vira para cima do Goiás e fica mais próximo do G-4

Tricolor enfrenta o Botafogo, nesta quarta-feira, no Maracanã

O Dia

Goiás - No Serra Dourada, o Fluminense continuou sua campanha de recuperação no Brasileiro. Saindo mais uma vez atrás, o Tricolor buscou uma nova virada e bateu o Goiás por 2 a 1. O clube carioca está há sete jogos sem perder.
Na próxima rodada, o Flu enfrenta o Botafogo, no Maracanã, em confronto que acontece nesta quarta-feira. O Goiás vai até o Barradão encarar o Vitória, no mesmo dia.

Sobis marcou o gol da vitória do Flu
Foto:  Divulgação

O JOGO
Mesmo atuando fora de casa, o Fluminense começou melhor a partida contra o Goiás. Com Edinho, Diguinho, Jean e Biro Biro, mais recuado, o Tricolor dominava o meio de campo e tinha mais posse de bola.
No entanto, apesar desse domínio inicial, o time carioca não conseguia criar boas oportunidades, pois falhava no último passe. Em dois lances, o Tricolor chegou bem perto do gol do Goiás, mas primeiro Sobis e depois Rhayner pecaram na hora de concluir.
No fim da primeira etapa, os donos da casa acertaram a marcação no meio-campo e passaram a equilibrar a partida, mas diferente do Flu, conseguiram concluir em gol. Aos 29 minutos, Roni passou por Edinho e finalizou para grande defesa de Cavalieri. Seis minutos depois nova chance, Ramon recebeu passe de Walter, driblou Cavalieri, mas se atrapalhou na hora na finalização.
Aos 36 minutos não teve jeito. Roni dominou a bola dentro da área do Flu e William Matheus chegou finalizando, sem chances de defesa para o goleiro do Fluminense.
O segundo tempo começou positivo para o Flu. A partida estava bem equilibrada, quando o Tricolor chegou ao gol de empate. Após cruzamento, Jean, bateu para o o gol, a bola bateu nas costas do goleiro Renan e entrou.

Rafael Sobis comemora o gol da vitória tricolor com o jovem Biro Biro
Foto:  Divulgação

O gol fez o Goiás sentir. Porém, o Fluminense não teve um grande crescimento na partida e o confronto seguiu equilibrado. Aos 23 minutos um lance polêmico. Igor Julião passou por um marcador e caiu dentro da área. O árbitro da partida não achou que o jogador foi tocado e deu simulação do jovem tricolor.

Aos 34 minutos, o Flu teve outra boa chance. Sobis foi lançado em boas condições. O atacante ainda tinha Biro Biro ao seu lado, mas preferiu finalizar e acabou chutando muito forte e a bola seguiu para fora.
Só que aos 39 minutos o Tricolor conseguiu virar. Diguinho deu belo passe para Biro Biro, que deixou Sobis na cara do gol. O atacante tocou forte, sem chances de defesa para Renan, dando a vitória ao Flu.

O mensalão PSDB-MG é lindo


Num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais?


O mensalão do PSDB-MG é mesmo um caso especial.
Criado em 1998 para ajudar a campanha de Eduardo Azeredo ao governo de Minas, até hoje o julgamento não ocorreu.  
A primeira e única condenação acaba de sair. Atingiu um banqueiro do Rural, condenado a 9 anos. Mas a lei lhe confere o direito de pedir recurso, o que quer dizer que tem 50% de chances matemáticas de provar sua inocência em segunda instância. Ninguém ficou indignado com isso, nem achou que seria uma ameaça às instituições ou um estímulo a criminalidade. 
Tudo em paz, ao contrário do que ocorreu com os petistas, que não têm direito a apresentar um recurso pleno, equivalente a um segundo julgamento. Mesmo assim, fez-se um escândalo contra os embargos infringentes.
Leio hoje um artigo que classifica a decisão sobre os embargos como um “segundo roubo.” Um historiador diz nos jornais, hoje, que os embargos infringentes ameaçam transformar o STF numa instituição igual ao Legislativo e ao Executivo.
A pergunta é saber se, num país onde os três poderes devem conviver em harmonia, gostaríamos que o STF fosse dotado de forças especiais, um anacrônico Poder Moderador, no estilo de Pedro I durante no império, ou das Forças Armadas em tantas ditaduras, que se consideravam auto destinadas a resolver impasses políticos às costas do eleitorado.
Respeito o direito de todos a opinião mas acho que estamos a caminho de formar uma escola de cinismo à brasileira.
Isso acontece quando se impõem tratamentos diferentes para situações iguais. Os dois lados sabem que estão diante de uma mentira, na qual fingem acreditar. Um lado, porque lhe convém. O outro, porque não tem força para assegurar que a falsidade seja desmascarada.
Os réus do mensalão PSDB-MG tiveram direito ao desmembramento, que não foi oferecido aos petistas. Só isso seria suficiente para definir um abismo – mas não é só. Sua apuração é tão vagarosa que acaba de ser anunciado, oficialmente, que o caso deve ser julgado em 2015. Então fica combinado: um crime quatro anos mais velho será julgado três anos mais tarde.
Enquanto os réus do STF já poderão estar atrás das grades, como querem nossos indignados de plantão, os mineiros estarão ouvindo depoimento, fazendo sua defesa – e ganhando tempo para prescrições.
Ninguém conhece muitos  detalhes do mensalão PSDB-MG por um bom punhado de razões. Uma boa apuração levaria a nomes e pessoas que ninguém tem interesse de colocar sob os holofotes. Quem? Homens de confiança do PSDB instalados no Banco do Brasil. Quem mais? Figurões do PSDB em atividade política, tanto os responsáveis por nomeações no Banco do Brasil como os beneficiários do dinheiro recebido.
Lucas Figueiredo diz, no livro O Operador, que a conta do mensalão PSDB-MG foi de R$ 40 milhões.
Pergunto: além de Eduardo Azeredo, derrotado em 1998, quem mais foi ouvido a respeito, como aconteceu com Lula?

A fábula do mensalão petista diz que o dinheiro para “comprar deputados” saiu da empresa Visanet e, de lá, foi desviado para Delúbio Soares e Marcos Valério. É assim que se procura provar a tese – falsa, na minha opinião – de que houve desvio de dinheiro público.

Como é inevitável numa fábula, havia um vilão necessário no centro desta operação, Henrique Pizzolato, petista histórico, diretor do Banco do Brasil.  Ele foi  condenado como responsável pelos pagamentos. Mas essa visão só pode ser sustentada quando se deixa o mensalão PSDB-MG de lado.
Pizzolato nunca foi o principal responsável pelos pagamentos as agências de Valério. Sequer tomou, solitariamente, qualquer decisão que poderia beneficiar a DNA. Nem estava autorizado a isso. Uma auditoria interna demonstrou que outro diretor, chamado Leo Batista, sem qualquer ligação com o PT, é que tinha a responsabilidade legal de fazer os pagamentos. Se era o caso de acusar alguém sozinho, teria de ser ele. Se era para acusar meia dúzia, deveria estar no meio. Nem era preciso invocar a teoria do domínio do fato. Seu nome está lá, nos papéis oficiais, com atribuições e assinaturas correspondentes. Mas não se fez uma coisa nem outra.
O problema é que Leo Batista e os colegas de diretoria eram, todos,  remanescentes do governo anterior, de Fernando Henrique Cardoso, quando o PSDB nomeava cargos de confiança no Banco do Brasil. Esse fato foi descoberto por um auditoria feita pelo banco, logo depois que o escândalo estourou.
Os diretores foram ouvidos e investigados. Mas, curiosamente, o inquérito que apura suas responsabilidades foi mantido em segredo. Sequer foi levado em tempo hábil ao conhecimento dos advogados de Pizzolato, embora pudesse ter sido útil para sua defesa. O próprio Pizzolato só tomou conhecimento da existência do inquérito secreto quando o julgamento estava em curso, em condições extremamente desfavoráveis.

Claro que você tem todo direito de perguntar o que esses diretores faziam por ali, naqueles anos todos. Abasteciam as agências de Marcos Valério com recursos do Visanet para ajudar a pagar as contas da campanha de 1998 do PSDB. Está lá, na CPMI dos Correios, para  quem o esquema tucano levantou R$ 200 milhões.

Imagine, então, o que teria acontecido se todos os réus, acusados do mesmo crime, tivessem sido julgados no mesmo tribunal, com base numa mesma denúncia. O STF seria obrigado a condenar petistas e tucanos pela mesma melodia, decisão que teria coerência com os fatos e provas reconhecidas pelos ministros  – mas teria o inconveniente de esvaziar qualquer esforço para criminalizar o PT e o governo Lula.

Em vez de fazer piadinhas e comentários altamente politizados sobre o “maior escândalo de corrupção da história”,  nossos ministros teriam de dizer a mesma coisa sobre os tucanos.

Imagine se Marcos Valério resolvesse colaborar e tentar uma delação premiada para alcançar o PSDB? Quais histórias poderia contar após tantos anos de convívio? Quais casos poderia relatar?

Do ponto de vista da investigação policial, o mensalão mineiro seria pura delícia. É que coube ao candidato vitorioso na campanha mineira de 1998, Itamar Franco, receber boa parte dos pagamentos devidos a DNA. Itamar morreu sem falar publicamente  sobre o assunto. Mas seu governo nada tinha a ver com o esquema. Eu já ouvi de um secretario de Itamar um relato consistente sobre tentativas de convencer Itamar, rompido com o PSDB, a honrar compromissos deixados pelos tucanos. Imagine se ele fosse ouvido. Seria um depoimento melhor que o de Roberto Jefferson, podem acreditar.

Mas vamos seguindo a história para chegar ao final. Com início diferente e tratamento diferente, o mensalão PSDB-MG irá terminar, certamente, com outro final. As penas duríssimas da ação penal 470 dificilmente irão se repetir. Varias razões contribuem para isso. Se hoje um número crescente de advogados de primeira linha já questiona as condenações, imagine o que irá ocorrer com o passar do tempo. O saldo político dos embargos infringentes não é favorável a novos linchamentos exemplares.
Quem conhece as relações entre os meios de comunicação de Minas Gerais e o governo de Estado,  butim da campanha de 1998, sabe que não se pode esperar nada igual ao que se viu durante o julgamento da ação penal 470.
No julgamento dos petistas, os meios de comunicação assumiram a dianteira da denúncia e colocaram o STF atrás. Preste atenção: em certa medida, não foi o Supremo que assumiu o protagonismo neste episódio. Isso é o que dizem os jornais e a TV. Na verdade, foram eles, os meios de comunicação, que assumiram um papel central em todo o processo, levando o STF atrás de si.  
Os jornalistas nunca tiveram dúvida sobre a culpa dos réus e, do ponto de vista legal, nem seriam obrigados a tê-las, já que não são juízes. Com base no veredito de seus “repórteres investigativos” jornais e revistas cobraram punições exemplares. Quando ficou claro que não havia provas objetivas, deram sustentação a teoria do domínio do fato. Empurrou o tribunal no caminho de condenações pesadas sob ameaça de acusar todo mundo de fazer  pizza. O STF veio atrás, como o presidente   Ayres Britto deixou claro ao prefaciar o livro de um jornalista que simbolizou essa postura duríssima dos meios de comunicação.
É curioso notar que apenas no julgamento dos embargos infringentes a Corte demonstrou uma postura diversa daquela assumida pelos meios de comunicação.Em mais de 60 sessões, foi a primeira decisão divergente. Tanto a pancadaria a que foi submetido Celso de Mello, como o esforço de outros ministros para dizer que não se fez nada demais são duas faces de uma mesma moeda. É um aperitivo para o que deve ocorrer caso os embargos possam beneficiar os réus.

Imagine se teremos a mesma indignação no mensalão PSDB-MG.

Meus leitores sabem que estou convencido de que as principais denúncias do mensalão não foram provadas nem demonstradas. Advogados de cultura jurídica muito maior, como Celso Antônio Bandeira de Mello, Yves Gandra Martins, para citar polos ideologicamente opostos do Direito brasileiro, pensam da mesma forma.

Tenho a mesma visão sobre o mensalão PSDB-MG. Temos verbas de campanhas, que se constituem crime de caixa 2, mas condenações menores. 
Eu acredito que o interesse político em criminalizar Lula e o PT permitiram uma condenação sem provas. Mas será possível fazer a mesma coisa quando esse interesse político não existir? 
É claro que não. E é por isso que o mensalão PSDB-MG deve ficar para longe, bem longe.
 
Paulo Moreia Leite

Evasão escolar é o maior problema da educação no Brasil

Metade dos jovens entre 15 e 17 anos não está matriculada no ensino médio. Pesquisa inédita mostra que a proporção dos que abandonaram a escola nessa etapa saltou de 7,2% para 16,2% em 12 anos

João Loes

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Não é sempre que apenas uma estatística basta para dar um bom panorama da realidade. O mais comum é que seja preciso esmiuçar diversos números e informações para realmente compreender o que está em jogo. Quem se debruça sobre o ensino médio brasileiro, porém, se depara com uma única estatística que parece sintetizar, de forma clara, a desastrosa situação desta etapa da educação: a taxa de evasão escolar. Uma nova pesquisa da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), com base em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, revela que apenas metade dos jovens com idade entre 15 anos e 17 anos está matriculada no ensino médio. Pior: entre 1999 e 2011, a taxa de evasão nesta faixa mais que dobrou, saltando de 7,2% para 16,2%. Ainda que o número absoluto de alunos venha aumentando, segundo o Ministério da Educação, dados de evasão como esses criam um senso de urgência que se sobrepõe a tudo. “Chama a atenção a dificuldade de enfrentamento da crise do ensino médio”, resume o estudo. “A despeito das reformas, os resultados das avaliações nacionais continuam surpreendendo negativamente os responsáveis pela condução da política educacional brasileira”, conclui.
EDUCACAO-02-IE-2289.jpg ARREPENDIMENTO
A evasão é grande, mas a maioria pensa em voltar à escola
A evasão, nesse contexto, é menos causa que consequência dessa crise. Ela é a parte visível de um conjunto de problemas conhecidos há décadas, mas sobre os quais nenhum governo tem feito o suficiente. “A crise é inquestionável e não podemos mais adiar o enfrentamento de um problema tão grave”, diz Maria de Salete Silva, coordenadora do programa de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância, no Brasil (Unicef). “O ensino médio é o maior desafio da educação do País.” Currículo inchado, com disciplinas demais para tempo de menos, ausência de um programa de ensino técnico integrado a essa etapa escolar, baixa remuneração dos professores e, fundamentalmente, inadequação do ensino médio à vida, às expectativas e às necessidades dos jovens compõem o retrato das dificuldades. “Esperar cinco anos para agir é condenar uma geração que hoje tem entre 15 e 17 anos a não ter perspectivas de futuro”, resume Maria Salete.
O paulistano Mateus Oliveira, hoje com 19 anos, sabe bem quanto abrir mão da educação nessa fase crucial limita as perspectivas de futuro. Quando tinha 17 anos e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino médio, ele resolveu largar a escola para tentar a carreira de jogador de futebol. “Era um sonho que já tinha me custado a sétima série, que também repeti”, diz. Confiante no talento com a bola, ele insistiu, mas menos de um ano depois percebeu que o caminho não renderia frutos. Com 18 anos e sem o ensino médio concluído, matriculou-se no programa de educação de jovens e adultos, onde um ano de ensino pode ser cumprido em seis meses, e rumou para a carreira militar. Atrasado, finalmente conseguiu concluir o ensino médio esse ano, mas viu e ainda vê oportunidades lhe escaparem por causa da formação atrasada. “Já era para eu ter concluído o curso técnico que acabei de começar, em informática”, diz. Com a capacitação, ele poderia estar ganhando mais no Exército – onde ainda recebe um salário de base, além de não ter segurança de carreira – ou trabalhando como técnico em informática em uma empresa da área. “Me arrependo das decisões que tomei”, diz.
EDCACAO-04-IE-2289.jpg SONHO FRUSTRADO
Mateus Oliveira, 21 anos, abandonou o ensino médio aos 17 anos
para tentar ser jogador de futebol. Não deu certo e agora ele
quer se tornar técnico em informática
Tratar o caso de Oliveira como o de um garoto perdido que simplesmente preferia jogar bola a estudar é, além de reforçar preconceitos, desperdiçar uma grande oportunidade de entender de onde vem o gigantesco desinteresse do jovem pela escola. Afinal, Oliveira não deixou o estudo só porque o futebol o atraía, mas também porque o colégio não parecia relevante o suficiente para ele. E não são poucas as razões que fazem da escola algo sem importância aos alunos, como mostra a pesquisa do Seade.
O currículo é um dos maiores problemas. Reformado em 1998 e 2012, mas ainda inchado por 13 disciplinas obrigatórias, além de cinco complementares a serem ministradas em conjunto com as demais, ele tem sido considerado excessivamente extenso para os três anos de ensino médio. Recentemente, ganhou força a ideia de dividir as disciplinas em grandes áreas de interesse. Trata-se de uma contribuição vinda do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que surgiu com a única função de avaliar essa etapa educacional, mas que hoje acumula a tarefa de selecionar alunos para universidades federais do País. A proposta é reunir, como acontece no Enem, biologia, física e química sob o guarda-chuva das ciências da natureza; história, geografia, filosofia e sociologia, sob ciências humanas, e assim por diante. “Mas o projeto é de difícil implantação, exige forte interdisciplinariedade, o que não se faz de uma hora para outra”, diz Luis Márcio Barbosa, diretor-geral do Colégio Equipe, em São Paulo.
EDUCACAO-03-IE-2289.jpg PROVEDOR
Hudson Silva, 22 anos, saiu da escola para poder trabalhar e ajudar em casa
Além das questões práticas, como o volume de disciplinas e o tempo disponível para cumpri-las, uma preocupação mais subjetiva com o currículo, mas não menos importante, tem ganhado cada vez mais espaço. Trata-se da distância abissal entre o conteúdo das disciplinas apresentado aos jovens e a realidade da vida que eles levam. “A escola continua muito tradicional, engessada diante da vida mutante do adolescente contemporâneo”, afirma o educador Barbosa. A chamada “integração do currículo às tecnologias educacionais”, meta no relatório do Seade, é um dos maiores gargalos. Hoje, segundo pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), 84,4% dos brasileiros com idade entre 15 e 19 anos usam a internet para estudar. Outros 25,9% recorrem a tablets e celulares. ­Enquanto isso, poucas escolas no País fazem uma integração real de conteúdo e tecnologia, embora 73,8% delas já contem com computador e internet. Este descompasso entre expectativas dos alunos e entrega da escola é forte gerador de desinteresse, mas não é o único.
A ausência de uma articulação mais eficiente entre ensino profissional e ensino médio também é tida como uma das razões para a evasão nesta fase. Reconhecer que nem todos, ao completar 18 anos, vão rumar para a universidade e oferecer a alternativa do aprendizado técnico durante o ensino médio pode ser um caminho para manter alunos na escola. Se essa opção estivesse disponível para o paulistano Hudson Laton da Silva, hoje com 21 anos, ele provavelmente teria terminado a educação básica. Morador da Brasilândia, na zona norte de São Paulo, Silva saiu do colégio para se dedicar integralmente ao trabalho quando cursava o primeiro ano do ensino médio. “Tinha que ajudar em casa”, conta. Ele trabalha como mecânico e, se um curso técnico nessa área tivesse sido oferecido na escola onde ele estudava, o jovem teria uma razão a mais para continuar frequentando a instituição. Hoje ele corre atrás do prejuízo. Mesmo empregado – ele é funcionário de uma grande concessionária na capital paulista –, Silva pretende fazer um supletivo e finalmente terminar o ensino médio. “Vou ser sincero: vontade de voltar a estudar eu não tenho, mas sei que é importante, então quero fazer o supletivo”, diz.
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Boa parte dos que deixam de estudar pensa como ele e fala em retornar. Segundo dados da pesquisa do Cebrap, 61,8% dos jovens que abandonaram a escola nessa fase querem voltar para concluir o ensino médio, independentemente da razão que motivou a evasão. “Algumas decisões são tomadas de maneira impulsiva porque o adolescente já tem alguma autonomia, mas tem dificuldade para pensar a longo prazo”, diz Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá, para quem, na adolescência, tudo é mais interessante que estudar. “Mas eles pensam no que fazem, refletem e costumam se arrepender quando veem que fizeram besteira.” Cabe à escola e aos pais dar subsídios ao aluno para que ele consiga administrar os impulsos da idade. Nem sempre, porém, é possível. A paranaense Andreia Tawlak, hoje com 21 anos, conhece, como poucos, as consequências da entrega às paixões adolescentes.
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Dona de um histórico escolar conturbado – ela havia repetido a sétima série e cursava pela segunda vez o primeiro ano do ensino médio –, Andreia surpreendeu a todos quando, aos 17 anos, anunciou que estava de mudança para Balneário Camboriú, em Santa Catarina. Apaixonada pelo primeiro namorado, de 23 anos, ela diz ter sido convencida por ele a largar tudo e acompanhá-lo. “Foi coisa de idiota”, admite, hoje. O relacionamento durou um ano e meio, Andreia teve de retornar para Foz do Iguaçu, onde morava, e hoje está às voltas com um supletivo que não consegue terminar enquanto sonha com cursos de design e um emprego na área. “Os amigos do tempo de escola que continuaram estudando estão todos trabalhando. E eu? O que estou fazendo?”, questiona.
Embora muitos especialistas defendam que, mesmo em casos como o de Andreia, a escola tem responsabilidade por não ter mostrado à aluna a importância de permanecer em sala de aula, há visões contrárias a esta tese. A diretora do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro-SP), Silvia Barbara, afirma que “jovens adultos” com seus 16, 17 anos devem assumir suas obrigações. “Nas análises dos problemas na educação, a escola e os professores são sempre os mais criticados e pouca ou nenhuma responsabilidade é legada ao adolescente e à família”, diz. Silvia diz ainda que a cruzada em favor de uma escola que privilegie ser agradável aos alunos antes de se preocupar em passar a eles o conhecimento acumulado da humanidade pode ter efeitos nocivos. “Vivemos em uma sociedade que valoriza demais o prazer e criminaliza demais o trabalho. E estudar sempre dará trabalho”, afirma.
IEpag52e56Educação__ok-5.jpg FASE
Maria Cristina Figueiredo, coordenadora do Colégio Brasil Canadá:
"Na adolescência, tudo é mais interessante que estudar", diz ela
Quando um jovem abandona a escola, perdem todos. A exclusão pela educação cria um abismo social e inibe o surgimento de um cidadão com uma participação social mais efetiva. Perde também o Brasil. “O País deixa de ter um profissional de nível médio com formação geral e um potencial profissional de nível técnico pós-médio ou de nível superior, com formação específica”, alerta Priscilla Tavares, professora e pesquisadora da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo. “As consequências do abandono no ensino são severas para o crescimento econômico.” Já passou da hora de enfrentarmos esse desafio.
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Poder, sexo e corrupção

Como um doleiro e cinco beldades ambiciosas se juntaram a prefeitos e parlamentares para desviar recursos dos fundos de pensão

Josie Jeronimo

Com 11 homens e cinco loiras, em menos de dois anos uma quadrilha em atividade em sete  Estados brasileiros desviou R$ 300 milhões de institutos de previdência complementar de servidores municipais. Convencido de que a oferta de beleza feminina poderia ser usada como um argumento irresistível para seduzir prefeitos, que têm o direito legal de movimentar, com uma assinatura, as milionárias reservas que garantem a aposentadoria complementar de funcionários públicos, o doleiro Fayed Traboulsi foi à luta por um mercado próspero e seguro.
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Após conversa com parentes do prefeito Maguito Vilela  (acima),
a “pastinha” Luciane Hoepers (abaixo) arrebatou R$ 9 milhões
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Constituído por arquitetos financeiros, investidores e simples oportunistas, o grupo abusava de uma estratégia clássica – a cruzada de pernas em ambiente de trabalho – para conquistar mais clientes e fechar novos contratos. A quadrilha foi apanhada pela Polícia Federal na Operação Miqueias, assim chamada em homenagem a um profeta bíblico do século VII a.C., conhecido por ter deixado uma maldição que atravessou 2.700 anos: “Ai daqueles que tramam o mal em suas camas”. Em relatório, a PF descreve as aventuras de Luciane Hoepers, Isabela Helena, Fernanda Cardoso, Cynthia Cabral e Alline Olivier em Amazonas, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins.  
Lindas e bem ensaiadas, as moças conhecidas como “pastinhas” eram encarregadas de uma  missão decisiva de toda negociação: o primeiro contato. Marcavam visitas em gabinete, aceitavam convites para almoçar e jantar. Não saíam de perto até que os contratos fossem assinados. A polícia não faz relatos explícitos sobre o que ocorria antes, durante e depois dos primeiros contatos. Deixa tudo para a imaginação de cada um.  
Loira, olhos azuis, com tatuagens provocantes num corpo de 1,75 m esculpido em academias de ginástica, Luciane Hoepers, 33 anos, foi a pioneira na atividade. Seu potencial para o negócio foi intuído pelo doleiro Traboulsi e confirmado várias vezes. Num bem-humorado depoimento prestado à polícia, na semana passada, Luciane admitiu que, entre dez prefeitos seduzidos, engatou namoro firme com pelo menos um.
Ambiciosa e desembaraçada  – numa experiência profissional anterior animava programas de auditório –, Luciane  trouxe resultados com tanta rapidez que a equipe feminina logo foi ampliada. Uma das moças, Fernanda Cardoso, agia em encontros de prefeitos na capital federal. Garota-propaganda de academia, Cynthia Cabral, 31 anos, disputava fundos de pensão (e atenções dos prefeitos)  em cidades menores nas vizinhanças de Brasília. Mas nenhuma acumulou tantas proezas como Luciane, especialista em grandes transações. Apenas 72 horas depois de receber Luciane em audiência, em Cuiabá, o prefeito Chico Galindo registrou pedido para transferir R$ 21 milhões para os fundos gerenciados pela quadrilha. Após uma conversa iniciada com dois parentes do prefeito Maguito Vilela, de Aparecida de Goiânia, ela arrebatou R$ 9 milhões, operação que, conforme a Polícia, gerou prejuízo de R$ 1,4 milhão. Antes de se dedicar aos fundos de pensão e de ter sido presa pela PF por participar do esquema, Luciane foi sócia de uma empresa que fornecia material gráfico para prefeituras de Santa Catarina, seu Estado natal. Acusada de apresentar notas superfaturadas, foi afastada da empresa pela antiga sócia.
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A mobilização de moças bonitas para dobrar homens públicos é um recurso comum. Quando Brasília debatia a legalização do jogo, sete modelos esculturais recebiam R$ 22 mil mensais para desfilar pelo Congresso e puxar conversa com parlamentares. Hoje, empresas de telefonia, marcas de refrigerante e mineradores investem nesse tipo de auxílio direto. Mas as moças dos fundos de pensão tinham um charme especial: não ficavam de bico calado nas reuniões. Eram treinadas para  argumentar em tom profissional sobre opções financeiras, responder perguntas técnicas e comparar rendimentos dos concorrentes, a começar pela Caixa Econômica e pelo Banco do Brasil, maiores reservatórios dos depósitos dos fundos de pensão do setor público, conhecidos por manter uma postura prudente nos investimentos. A combinação daqueles corpos espetaculares  – depois que o caso foi parar nos jornais, Luciana Hoepers aguarda convites para fotos em revistas masculinas – com uma conversa em torno de milhões de reais deixava os prefeitos boquiabertos e vencidos. “Todo mundo oferece benefícios para atrair um cliente que possui recursos milionários. Mas o padrão é oferecer vantagens, e não mulheres bonitas,” afirma um executivo da Caixa.
Para desvendar os segredos da quadrilha, a Polícia Federal escalou a delegada Andréia Pinho para conduzir as investigações. Andréia logo viu que  o esquema gerou prejuízos ao pensionistas e ganhos incríveis para a quadrilha. Os ganhos maiores não ficavam com a mão de obra feminina, mas mesmo esta era bem remunerada. Costumava receber entre 2% e 5% dos ganhos permitidos por cada negócio. O bando comprou uma dezena de carros de luxo, no valor de R$ 500 mil cada um. Também adquiriu um iate de R$ 5 milhões. No plano pessoal, as companhias femininas abalaram o casamento de pelo menos um parlamentar.
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Vítimas da dependência digital

Com a explosão dos smartphones, cerca de 10% dos brasileiros já são viciados digitais. A medicina aprofunda o estudo do transtorno e anuncia o surgimento de novas opções de tratamento, como a primeira clínica de reabilitação especializada

Monique Oliveira

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"Eu literalmente não sabia o que fazer comigo”, disse um estudante do Reino Unido. “Fiquei me coçando como um viciado porque não podia usar o celular”, contou um americano. “Me senti morto”, desabafou um jovem da Argentina. Esses são alguns dos relatos entre os mil que foram colhidos por pesquisadores da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos. Eles queriam saber o que sentiam jovens espalhados por dez países, nos cinco continentes, depois de passarem 24 horas longe do computador, dos smartphones e tablets. As descrições, como se viu, são assombrosas. E representam exatamente como sofrem os portadores de um transtorno preocupante que tem avançado pelo mundo: o IAD (Internet Addiction Disorder), sigla em inglês para distúrbio da dependência em internet. Na verdade, o que os entrevistados manifestaram são sintomas de abstinência, no mesmo grau dos apresentados por quem é dependente de drogas ou de jogo, por exemplo, quando privado do objeto de sua compulsão.
Estima-se que 10% dos brasileiros enfrentem o problema. Esse número pode ser ainda maior dada a velocidade com que a internet chega aos lares nacionais. Segundo pesquisa da Navegg, empresa de análises de audiências online, o Brasil registrou o número recorde de 105 milhões de pessoas conectadas no primeiro trimestre deste ano. Dados da Serasa Experian mostram que o brasileiro passa mais tempo no YouTube, no Twitter e no Facebook do que os internautas do Reino Unido e dos EUA. A atividade na rede é impulsionada pela explosão dos smartphones. De acordo com a consultoria Internet Data Corporation, esses aparelhos correspondiam a 41% (5,5 milhões) dos celulares vendidos em março. Em abril, o índice pulou para 49% (5,8 milhões).
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Tantas pessoas usando esses aparelhos está levando ao surgimento de um fenômeno que começa a chamar a atenção dos estudiosos. Trata-se do vício específico em celular e da nomofobia, nome dado ao mal-estar ou ansiedade apresentados por indivíduos quando não estão com seus celulares. No livro “Vivendo Esse Mundo Digital”, do psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas, do Hospital das Clínicas de São Paulo, há uma das primeiras referências ao tema. Nele, estão descritas as consequências dessa dependência. “Os usuários estão se distraindo com facilidade e têm dificuldade de controlar o tempo gasto com o aparelho”, escreveu o especialista. A obra também pontua os sintomas da dependência. O que assusta é que eles são muito parecidos com os manifestados por dependentes de drogas. Um exemplo: quando não está com seu smartphone na mão, o usuário fica irritado, ansioso (leia mais no quadro na pág.67).
No futuro, a adesão aos óculos inteligentes, à venda a partir de 2014, poderá elevar ainda mais o número de dependentes. Esses aparelhos são, na verdade, um computador colocado no campo de visão. Empresas como o Google, por meio de seu Google Glass, apostam alto nessa tecnologia.
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Como todas as dependências descritas pela psiquiatria, a digital não é facilmente reconhecida. Mas, da mesma forma que as outras, pode ser diagnosticada a partir de um critério claro. Ela está instalada quando o indivíduo começa a sofrer prejuízos na sua vida pessoal, social ou profissional por causa do uso excessivo do meio digital. Na vida real, isso significa, por exemplo, brigar com o parceiro/a porque quer ficar online mesmo com a insatisfação do companheiro/a ou cair de produção no trabalho porque não se concentra na tarefa que lhe foi delegada.
A gravidade do problema está levando a uma mobilização mundial em busca de soluções. Uma das frentes – a do reconhecimento médico do transtorno – está em franca discussão. Recentemente, a dependência foi um dos temas que envolveram a publicação da nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação da Associação Americana de Psiquiatria adotada como guia para o diagnóstico das doenças mentais. Na edição final, o vício, não citado em edições anteriores, foi mencionado como um transtorno em ascensão que exige a realização de mais estudos. Muitos especialistas criticaram o manual porque acreditam já ser o distúrbio uma doença com critérios diagnósticos definidos.
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Uma das vozes a defender essa posição é a psiquiatra americana Kimberley Young, reconhecida autoridade na área e responsável, agora, por dirigir uma experiência mundial inédita: a primeira rehab digital, aberta no mês passado. O centro de reabilitação fica na Pensilvânia, como um anexo do Centro Médico Regional de Bradford. O modelo é igual ao de programas de reabilitação de drogas. No local, o indivíduo passará por uma internação de dez dias. O tratamento terá como base a terapia cognitivo-comportamental, cujo objetivo é substituir hábitos nocivos por outros saudáveis, além de sessões em grupo, individuais e intervenção medicamentosa consensual, se necessária, em situações extremas. “Há uma crescente demanda para esse tipo de serviço”, disse Kimberley à ISTOÉ.
Em países como Japão, China e Coreia do Sul, a dependência já é tratada como questão de saúde pública. Programas desses governos foram criados na tentativa de mitigar o problema. O Ministério da Educação japonês lançou um projeto que atenderá 500 mil adolescentes. Além de psicoterapia, a iniciativa definirá áreas ao ar livre nas quais os jovens serão exortados ao convívio social por meio da prática de esportes, com uso restrito às mídias digitais. Na China, o programa é militarizado, o que desperta críticas no Ocidente. “É um tratamento militar, com total restrição à mídia”, diz Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Psicologia em Informática da PUC-SP, serviço que atende os dependentes por meio de orientações transmitidas por e-mail. Na Coreia do Sul, onde cerca de 30% dos adolescentes são viciados, os jovens passam 12 dias internados.
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 No Brasil, a assistência aos dependentes é feita em serviços vinculados a universidades (leia quadro abaixo). O tratamento se baseia em terapia, intervenção familiar e remédios, se necessário. “Damos atendimento de acordo com o caso”, explica Dartiu Xavier, diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes, da Universidade Federal de São Paulo.
Em Israel, cientistas da Universidade de Tel-Aviv criaram uma terapia de exposição gradual às mídias digitais. É uma tentativa de ajudar o indivíduo a treinar o autocontrole até o ponto no qual seja capaz de acessar a rede e dela sair depois de um tempo curto. A instituição foi uma das primeiras a considerar o vício um transtorno vinculado ao transtorno do impulso, dando uma dimensão da gravidade dos casos. “Essa dependência é um transtorno grave similar aos que vemos, como a obsessão por lavar as mãos”, diz o psiquiatra Pinhas Dannon, da Universidade de Tel-Aviv.

Outro recurso são os aplicativos que controlam a intensidade da navegação na web. É possível bloquear sites como o Facebook por meio de programas (plug-ins) instalados em navegadores como Internet Explorer e Chrome, ou impedir o uso da internet 3G no celular. Também se pode lançar mão de aplicativos como o “AppProtector”, que não permite o uso de aplicativos e de jogos em tablets e celulares.

Nos laboratórios, os cientistas tentam conhecer melhor as causas e repercussões do transtorno. Algumas certezas estão colocadas. “A humanidade está condenada a ficar presa em um modelo de interrupções mentais frequentes e sem se aprofundar em nada”, diz o psicólogo Cristiano de Abreu. Para Peter Whybrow, da Universidade da Califórnia, a internet induz a ciclos de mania, seguidos por ciclos de depressão. “O computador é como a cocaína”, disse à ISTOÉ. “O abuso leva à compulsão.” De fato, pesquisas mostram que o vício digital aciona o sistema cerebral de recompensa, o mesmo estimulado pelas drogas. Quanto mais se cede à compulsão, mais sensação de prazer o cérebro produz. E isso vai até um ponto no qual a pessoa não consegue mais ficar sem essa sensação, tornando-se dependente de seu foco de compulsão.

Também é sabido que adolescentes que apresentem déficit de atenção, fobia social e depressão estão mais propensos a desenvolver o vício. Pesqui­­­sadores da Universidade de Kaohsiung, Taiwan, ana­lisaram a relação entre esses trans­tornos em cerca de 2,3 mil adolescentes. Cerca de 10% dos adolescentes eram dependentes, e todos apresentavam sinais de algum dos transtornos associados (o de déficit de atenção foi o mais prevalente).

Na Alemanha, pesquisadores da Universidade de Bonn descobriram que os dependentes apresentam uma variação genética já identificada naqueles com propensão ao vício da nicotina. “Essa alteração eleva a probabilidade de comportamentos compulsivos”, diz Christian Montag, um dos autores da pesquisa.
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Mais crianças e adolescentes estão sofrendo de dores nas costas e no pescoço por culpa do excesso de horas manuseando consoles de videogames ou jogando em tablets e celulares. A constatação é de cientistas holandeses liderados pelo cirurgião ortopédico Piet van Loon. Em artigo escrito para a principal revista médica da Holanda, a “Medisch Contact”, Van Loon adverte que o vício postural pode originar dores persistentes de coluna, hérnias de disco e alterações como a hipercifose (curvatura anormal para a frente na região do tórax). “Ficar sentado muito tempo em posição errada comprime as cartilagens e discos vertebrais. Pais e escolas precisam ficar atentos”, disse ele à ISTOÉ.
O problema se agrava se for aliado ao sedentarismo. “A prática de esportes e exercícios ajuda a restaurar a boa postura e a prevenir problemas crônicos”, diz o médico Miguel Akkari, membro do Comitê de Ortopedia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia. Porém, se forem usadas de modo exagerado, versões de games que simulam exercícios e esportes, a exemplo do Wii Fit, Xbox Kinect ou Playstation Move, também podem causar danos. “Há casos de tendinite em pernas e braços por exagero nos gestos em jogos virtuais que dispensam o console e o movimento do jogador é o que comanda a ação”, relata o médico Akkari. Foi o que aconteceu à sua filha Gabriela, 10 anos, que teve mais restrito o acesso aos jogos. “Precisei limitar a uma hora nos fins de semana o uso de plataformas para simular jogos e dança por causa de dores nos joelhos”, diz o especialista.

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 Um estudo feito pela Universidade de Nova York (EUA) já havia alertado para os riscos das diversões eletrônicas em função dos gestos repetitivos que impõem. A comparação entre 257 estudantes com idades entre 9 e 15 anos mostrou que as dores no punho e nos polegares provocadas pelos videogames eram maiores do que os sintomas de quem digitava em smartphones. Observou-se também que as meninas sentiam duas vezes mais dores do que os meninos por causa do envio de mensagens de celular.
Mônica Tarantino
Estima-se que 10% dos brasileiros enfrentem o problema. Esse número pode ser ainda maior dada a velocidade com que a internet chega aos lares nacionais. Segundo pesquisa da Navegg, empresa de análises de audiências online, o Brasil registrou o número recorde de 105 milhões de pessoas conectadas no primeiro trimestre deste ano. Dados da Serasa Experian mostram que o brasileiro passa mais tempo no YouTube, no Twitter e no Facebook do que os internautas do Reino Unido e dos EUA. A atividade na rede é impulsionada pela explosão dos smartphones. De acordo com a consultoria Internet Data Corporation, esses aparelhos correspondiam a 41% (5,5 milhões) dos celulares vendidos em março. Em abril, o índice pulou para 49% (5,8 milhões).
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Tantas pessoas usando esses aparelhos está levando ao surgimento de um fenômeno que começa a chamar a atenção dos estudiosos. Trata-se do vício específico em celular e da nomofobia, nome dado ao mal-estar ou ansiedade apresentados por indivíduos quando não estão com seus celulares. No livro “Vivendo Esse Mundo Digital”, do psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas, do Hospital das Clínicas de São Paulo, há uma das primeiras referências ao tema. Nele, estão descritas as consequências dessa dependência. “Os usuários estão se distraindo com facilidade e têm dificuldade de controlar o tempo gasto com o aparelho”, escreveu o especialista. A obra também pontua os sintomas da dependência. O que assusta é que eles são muito parecidos com os manifestados por dependentes de drogas. Um exemplo: quando não está com seu smartphone na mão, o usuário fica irritado, ansioso (leia mais no quadro na pág.67).
No futuro, a adesão aos óculos inteligentes, à venda a partir de 2014, poderá elevar ainda mais o número de dependentes. Esses aparelhos são, na verdade, um computador colocado no campo de visão. Empresas como o Google, por meio de seu Google Glass, apostam alto nessa tecnologia.
Como todas as dependências descritas pela psiquiatria, a digital não é facilmente reconhecida. Mas, da mesma forma que as outras, pode ser diagnosticada a partir de um critério claro. Ela está instalada quando o indivíduo começa a sofrer prejuízos na sua vida pessoal, social ou profissional por causa do uso excessivo do meio digital. Na vida real, isso significa, por exemplo, brigar com o parceiro/a porque quer ficar online mesmo com a insatisfação do companheiro/a ou cair de produção no trabalho porque não se concentra na tarefa que lhe foi delegada.
A gravidade do problema está levando a uma mobilização mundial em busca de soluções. Uma das frentes – a do reconhecimento médico do transtorno – está em franca discussão. Recentemente, a dependência foi um dos temas que envolveram a publicação da nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, publicação da Associação Americana de Psiquiatria adotada como guia para o diagnóstico das doenças mentais. Na edição final, o vício, não citado em edições anteriores, foi mencionado como um transtorno em ascensão que exige a realização de mais estudos. Muitos especialistas criticaram o manual porque acreditam já ser o distúrbio uma doença com critérios diagnósticos definidos.
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Uma das vozes a defender essa posição é a psiquiatra americana Kimberley Young, reconhecida autoridade na área e responsável, agora, por dirigir uma experiência mundial inédita: a primeira rehab digital, aberta no mês passado. O centro de reabilitação fica na Pensilvânia, como um anexo do Centro Médico Regional de Bradford. O modelo é igual ao de programas de reabilitação de drogas. No local, o indivíduo passará por uma internação de dez dias. O tratamento terá como base a terapia cognitivo-comportamental, cujo objetivo é substituir hábitos nocivos por outros saudáveis, além de sessões em grupo, individuais e intervenção medicamentosa consensual, se necessária, em situações extremas. “Há uma crescente demanda para esse tipo de serviço”, disse Kimberley à ISTOÉ.
Em países como Japão, China e Coreia do Sul, a dependência já é tratada como questão de saúde pública. Programas desses governos foram criados na tentativa de mitigar o problema. O Ministério da Educação japonês lançou um projeto que atenderá 500 mil adolescentes. Além de psicoterapia, a iniciativa definirá áreas ao ar livre nas quais os jovens serão exortados ao convívio social por meio da prática de esportes, com uso restrito às mídias digitais. Na China, o programa é militarizado, o que desperta críticas no Ocidente. “É um tratamento militar, com total restrição à mídia”, diz Rosa Farah, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Psicologia em Informática da PUC-SP, serviço que atende os dependentes por meio de orientações transmitidas por e-mail. Na Coreia do Sul, onde cerca de 30% dos adolescentes são viciados, os jovens passam 12 dias internados.

No Brasil, a assistência aos dependentes é feita em serviços vinculados a universidades (leia quadro abaixo). O tratamento se baseia em terapia, intervenção familiar e remédios, se necessário. “Damos atendimento de acordo com o caso”, explica Dartiu Xavier, diretor do Programa de Orientação e Assistência a Dependentes, da Universidade Federal de São Paulo.
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Em Israel, cientistas da Universidade de Tel-Aviv criaram uma terapia de exposição gradual às mídias digitais. É uma tentativa de ajudar o indivíduo a treinar o autocontrole até o ponto no qual seja capaz de acessar a rede e dela sair depois de um tempo curto. A instituição foi uma das primeiras a considerar o vício um transtorno vinculado ao transtorno do impulso, dando uma dimensão da gravidade dos casos. “Essa dependência é um transtorno grave similar aos que vemos, como a obsessão por lavar as mãos”, diz o psiquiatra Pinhas Dannon, da Universidade de Tel-Aviv.
Outro recurso são os aplicativos que controlam a intensidade da navegação na web. É possível bloquear sites como o Facebook por meio de programas (plug-ins) instalados em navegadores como Internet Explorer e Chrome, ou impedir o uso da internet 3G no celular. Também se pode lançar mão de aplicativos como o “AppProtector”, que não permite o uso de aplicativos e de jogos em tablets e celulares.

Nos laboratórios, os cientistas tentam conhecer melhor as causas e repercussões do transtorno. Algumas certezas estão colocadas. “A humanidade está condenada a ficar presa em um modelo de interrupções mentais frequentes e sem se aprofundar em nada”, diz o psicólogo Cristiano de Abreu. Para Peter Whybrow, da Universidade da Califórnia, a internet induz a ciclos de mania, seguidos por ciclos de depressão. “O computador é como a cocaína”, disse à ISTOÉ. “O abuso leva à compulsão.” De fato, pesquisas mostram que o vício digital aciona o sistema cerebral de recompensa, o mesmo estimulado pelas drogas. Quanto mais se cede à compulsão, mais sensação de prazer o cérebro produz. E isso vai até um ponto no qual a pessoa não consegue mais ficar sem essa sensação, tornando-se dependente de seu foco de compulsão.

Também é sabido que adolescentes que apresentem déficit de atenção, fobia social e depressão estão mais propensos a desenvolver o vício. Pesqui­­­sadores da Universidade de Kaohsiung, Taiwan, ana­lisaram a relação entre esses trans­tornos em cerca de 2,3 mil adolescentes. Cerca de 10% dos adolescentes eram dependentes, e todos apresentavam sinais de algum dos transtornos associados (o de déficit de atenção foi o mais prevalente).

Na Alemanha, pesquisadores da Universidade de Bonn descobriram que os dependentes apresentam uma variação genética já identificada naqueles com propensão ao vício da nicotina. “Essa alteração eleva a probabilidade de comportamentos compulsivos”, diz Christian Montag, um dos autores da pesquisa.
Fonte: Miguel Akkari, do Comitê do Ortopedia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT)
Fonte: Grupo de Dependências Tecnológicas do Programa Integrado dos Transtornos do Impulso (PRO-AMITI) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
fotos: Gabriel Chiarastelli; divulgação
fotos: Rafael Hupsel/ag. istoé; Pedro Dias/ag. istoé
Fontes: Kimberley Young (Centro Médico Regional de Bradford) e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo
foto: Vinicius Yamada

Prática de comer placenta está se espalhando pelos Estados Unidos


Mães creem em benefícios para saúde, ainda não provados pela ciência.
Profissionais especializados em encapsular o órgão cobram U$200.

Da AP
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Laura Curtis prepara a placenta de uma cliente antes de transformá-la em cápsulas para serem ingeridas. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune, Francisco Kjolseth)Laura Curtis prepara a placenta de uma cliente antes de transformá-la em cápsulas para serem ingeridas. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune, Francisco Kjolseth)
A placentofagia - prática de guardar a placenta após o nascimento do bebê para comê-la - não é um hábito hippie, um rito de passagem de culturas primitivas nem um ritual de bruxaria assustador. Está acontecendo no estado do Utah, nos Estados Unidos, e em outros locais do país com frequência crescente.
É uma prática sem precedentes antropológicos, promovida por um grupo de mães que acreditam piamente em seus benefícios para a saúde, apesar da escassez de pesquisas sobre o assunto. O hábito tem promovido um novo nicho profissional: o dos preparadores de placenta.
Os hospitais de Utah não têm uma estimativa precisa de quantas mães pedem para ter as placentas empacotadas e colocadas no gelo, em vez de descartá-las. O Hospital Universitário de Utah estima que entre 5% e 10% das mães fazem esse pedido. Já o Intermountain Medical Center afirma receber cerca de dois pedidos a cada mês.
"Mas parece que há uma tendência de aumento", diz Bernice Tenort, gerente de enfermagem da ala de partos do Hospital Universitário.
Para muitos, pensar em canibalizar algo expelido de seu próprio corpo desencadeia um reflexo de ânsia. A placenta contém material genético da mãe, do pai e do bebê. Mas a prática 'pegou' principalmente entre mulheres brancas, casadas, de classe média, com formação universitária, a maioria das quais relatam experiências positivas de acordo com um estudo recente na revista científica "Ecology of Food and Nutrition". Também é popular entre mulheres que escolhem ter seus bebês em casa, segundo o estudo.
Nutrientes
O órgão passa nutrientes essenciais da mãe para o bebê e contém ferro e hormônios benéficos do pós-parto, como progesterona e ocitocina, por isso supõe-se que ingeri-lo traga benefícios. Blogs sobre a maternidade e sites que estimulam o parto em casa asseguram que a prática pode diminuir o sangramento pós-parto, ajudar o útero a voltar a seu tamanho normal, enriquecer a produção de leite, além de prevenir a depressão pós-parto.

"Tem várias coisas que fazemos para melhorar nossa saúde que não foram estudadas e provadas pela ciência médica, ainda assim sabemos que funcionam", diz Laura Curtis, dona da maior empresa voltada para encapsular placenta em Utah, a PlacentaWise, em Lindon.
Laura aprendeu a encapsular placentas durante um treinamento para se tornar doula. "Foi estranho para mim e pareceu nojento", ela diz. "Eu nem encosto em carne. Sou vegana". Mas ela foi convencida por depoimentos de outras pessoas. "Existe uma demanda por esse serviço e a necessidade de pessoas que o façam de forma segura", diz Laura, que segue os protocolos aplicados ao manejo de comida.
Laura fatia a placenta, já cozida, para desidratá-la em seguida. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune, Francisco Kjolseth)Laura fatia a placenta, já cozida, para desidratá-la
em seguida. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune,
Francisco Kjolseth)
Nada disso tem base na ciência. Já existiram muitos estudos observacionais em humanos, datando desde 1900, e estudos com animais: a maioria dos mamíferos come sua placenta. Mas nunca houve estudos randomizados. "Tem várias coisas que animais fazem e que humanos não deveriam fazer", diz Mark Kristal, um psicólogo do programa de neurociência comportamental da Universidade de Buffalo.
Apesar de a prática ser comum entre os animais, não existem evidências antropológicas de que a prática existiu entre humanos. "Em qualquer cultura, quando isso é mencionado, é mencionado como um tabu", diz Kristal.
Ainda assim, não existem evidências de que a prática faça mal. "Não vamos contra a prática", diz Bernice, do Hospital Universitário. "Nosso objetivo é honrar os direitos dos pacientes e fazer a experiência do nascimento da maneira que eles querem".
Cozido a vapor
Há vários métodos de encapsular placentas. Laura cozinha o órgão no vapor de 10 a 12 minutos de cada lado. Depois o material é fatiado, desidratado e transformado em um pó, que é encapsulado.

Todo o local de preparo é limpo e desinfetado. Os pacientes devem entregar a placenta, mantida em ambiente refrigerado, até 48 horas depois do parto. Os médicos devem assinar um documento com os resultados de testes para patógenos, como HIV e hepatite.

Laura encapsula de 18 a 20 placentas por mês. O pacote básico, composto por um vidro de cápsulas e o cordão umbilical desidratado e moldado no formato de um coração, custa 200 dólares.

Laura Curtis é proprietária da maior empresa que encapsula placentas no estado do Utah. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune, Francisco Kjolseth)Laura Curtis é proprietária da maior empresa que encapsula placentas no estado do Utah. (Foto: AP Photo/The Salt Lake Tribune, Francisco Kjolseth)
 

Forças Armadas têm 30 militares homossexuais reconhecidos

Marinha altera manual e 26 garantem a cônjuge direitos como dependente.
Justiça reconhece sargento gay; Exército mudará 'normas internas'.

Tahiane Stochero Do G1, em São Paulo
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O cabo reformado da Marinha João Silva e o companheiro, Claudio (Foto: Arquivo Pessoal)Caso do cabo João (à esquerda) foi um dos que
fizeram a Marinha mudar a norma para reconhecer o
dependente (Foto: Arquivo Pessoal)
Levantamento realizado pelo Ministério da Defesa a pedido do G1 aponta que as Forças Armadas registram ao menos 30 militares gays e lésbicas, que tiveram os cônjuges oficialmente reconhecidos como dependentes, garantindo acesso aos sistemas de saúde, de moradia e previdenciário. Os dados foram contabilizados até o mês de setembro deste ano.

O maior número é registrado na Marinha: são 26 militares, 23 deles apresentaram declaração de união estável e outros três, certidão de casamento. Já o Exército registra três pedidos, enquanto que a Aeronáutica diz que não é possível fazer um levantamento, pois o sistema de registro não faz essa distinção. Pelo menos um caso é confirmado: em abril, a FAB reconheceu como dependente o marido de um sargento homossexual que é controlador de voo no Recife (PE).

A tendência é que, agora, o registro de soldados homossexuais nos quartéis deva aumentar. Isso porque a Marinha já alterou as normas internas, acabando com termos como “mulher” ou “marido” e admitindo os dependentes apenas como “cônjuges”.
O Exército, que teve o 1º homossexual reconhecido após decisão judicial em agosto, começa agora um processo para adequar “todas as normas internas” que tratam de inclusão de dependentes, buscando estender aos casais homossexuais todos os direitos concedidos aos heterossexuais.

Enquanto os manuais estão em adequação, os militares que possuírem uma união homoafetiva não precisarão mais recorrer à Justiça. Os pedidos, garante o Exército, serão reconhecidos administrativamente.
Exército está 'em processo de adequação de todas as normas que regulam a inclusão de dependentes em consequência de união homoafetiva'
Segundo a Marinha, o alto número de registros ocorre devido a uma mudança feita no manual de Declaração de Dependentes e Beneficiários, chamada de DGPM-303. O texto, de 1996, sofreu revisões em outubro de 2011, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de equiparar os direitos de casais do mesmo sexo, e em 2013. A primeira alteração ocorreu após o cabo reformado João Batista Pereira da Silva, de 41 anos, brigar durante dois anos pelo reconhecimento do companheiro, Claudio Nascimento da Silva, de 40 anos. Casados no Rio de Janeiro, eles decidiram que "a Justiça não era o caminho".
Casal pernambuco sargento (Foto: Arquivo Pessoal)Sargento foi o primeiro a obter reconhecimento
da união homoafetiva no Exército
(Foto: Arquivo Pessoal)
“Queríamos que a Marinha mudasse as regras e que outros militares pudessem ser beneficiados sem ter que sofrer o que sofremos. Por isso optamos por brigar internamente, fazer a Marinha mudar, em vez de buscar o meio judicial”, diz Claudio, que é ativista GLBT e superintendente de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos da Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro.

“O Exército está atrasado. Hoje, os princípios são de igualdade. Não estamos mais no tempo da ditadura. Somos procurados por muitos militares que querem orientação e ficam com medo de preconceito nos quartéis”, acrescenta ele.

João foi marinheiro de gola por mais de 20 anos e diz ter enviado e-mails à Presidência e ao Ministério da Defesa até conseguir o registro do dependente. Com a união estável registrada desde 2010, o casal procurou, pela primeira vez, a Diretoria Geral de Pessoal da Marinha em abril de 2011. Foram vários "não" ouvidos até setembro de 2011, quando a Marinha os comunicou que o cadastro era possível. Contudo, explica João, na época eles já estavam com certidão de casamento e o órgão indeferiu o pedido, alegando que a equiparação de direitos só valia para uniões estáveis – e não para casamentos. Foi só em 24 de agosto do ano passado que os dois foram registrados, enfim, como um casal militar.

“Quando solicitamos a equiparação de direitos à Marinha, um oficial nos disse que éramos loucos, que os militares nunca reconheceriam um casal gay”, relembra Claudio.
Quando solicitamos a equiparação de direitos à Marinha, um oficial nos disse que éramos loucos, que os militares nunca reconheceriam um casal gay"
Claudio Nascimento da Silva,
companheiro de um cabo da Marinha
Mudanças em andamento
No Exército, as mudanças ainda estão em andamento após o Tribunal Regional Federal de Pernambuco determinar que um estudante de 21 anos seja reconhecido como companheiro de um sargento de 40. O praça largou a mulher em 2000, com quem tinha um casamento, por causa da paixão pelo estudante. O processo dele junto ao Comando Militar do Nordeste estava parado desde 2000.

Em primeira instância, um juiz federal negou preliminarmente o pedido de equiparação de direitos – alegou que a legislação em vigor para servidores públicos militares dispõe que a assistência médica só considera como dependente “a mulher” e os filhos do soldado. Já em agosto, o TRF de Pernambuco determinou que o Exército reconheça o casal. A Advocacia Geral da União (AGU) divulgou que não irá recorrer da decisão, mas um recurso sobre o valor a ser pago de custas judiciais adiou a homologação do caso.

“A União ainda não foi notificada e depois começa a correr um prazo de 30 dias até que transite em julgado. A partir de então o Exército terá que cumprir”, diz a advogada do sargento gay, Laurecília Ferraz.

“O Exército é uma instituição legalista, cumpre a lei. A notícia de que eles estão mudando as normas é bem-vinda, vai acelerar o processo de todos os demais. Para nós, é uma vitória este reconhecimento de direitos”, comemora a defensora.

Além do sargento de Recife, outros dois casos foram contabilizados no Exército: um já está regularizado e o outro está com homologação em andamento, mas também será atendido. A Força diz ter “perene compromisso de obediência às leis vigentes”. Já a Marinha diz que agiu “proativamente” na primeira revisão da norma, no sentido de se adequar à decisão do Supremo. A Aeronáutica diz que não faz distinção e que os documentos internos já usam o termo cônjuge.

Motorista que disputava racha e atropelou jovens não tem habilitação

Polícia Civil informou que condutor já dirigia há 20 anos sem carta.
Acusado confessou que ingeriu bebida alcoólica antes de racha.

Do G1 Mogi das Cruzes e Suzano
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O motorista Reginaldo Ferreira da Silva, de 41 anos, prestou depoimento à Polícia Civil, e teria informado que não tem habilitação e havia ingerido bebida alcoólica antes de disputar o racha que provocou o atropelamento de 10 pessoas e matou seis em Mogi das Cruzes (SP), na madrugada deste sábado (28).
Reginaldo foi preso em flagrante por homicídio doloso e embriaguez ao volante. A polícia ainda procura o condutor do outro veículo que disputou o racha. Segundo o delegado Daniel Miragaia, que registrou o caso, assim que for identificado ele poderá ser preso. "Se ele for identificado, será preso em flagrante sem possibilidade de fiança", disse.
Ainda de acordo com o delegado, Reginaldo teria dito em depoimento que dirige há 20 anos sem habilitação. Na noite de sexta-feira (27), ele e mais quatro pessoas estavam em uma festa e ingeriram bebida alcoólica e entraram no carro para ir à outra festa. Ainda no depoimento motorista contou que, no caminho, foram ultrapassados por outro veículo que fez sinal para uma disputa racha, e os dois motoristas começaram a disputa, que terminou no acidente.
O motorista perdeu o controle do veículo e atingiu um grupo de dez jovens entre 13 anos e 22 anos que estavam em um terreno. Após a colisão, um dos carros capotou. O acidente aconteceu por volta da 00h30 deste sábado e seis pessoas morreram no local. Outros três jovens tiveram ferimentos leves e um menino de 15 anos foi socorrido para a Santa Casa de Mogi das Cruzes e passa bem. Os familiares das vítimas que morreram aguardam a documentação para transferir os corpos para o IML da cidade.
Os ocupantes do veículo também tiveram ferimentos leves. De acordo com a Polícia Militar, Reginaldo fugiu do local do acidente e foi localizado durante diligência. Segundo o delegado, ele foi preso em flagrante e permanecerá preso. Já o condutor do outro veículo fugiu. Um para-choque com a placa do carro pode ajudar a polícia a encontrá-lo.
Carro disputava racha quando derrapou e atingiu as vítimas. (Foto: Reprodução/TV Diário)Carro disputava racha quando derrapou e atingiu as
vítimas. (Foto: Reprodução/TV Diário)
A velocidade permitida na Avenida Japão é de 50 km/h mas o velocímetro de um dos veículos travou em 120 km/h no momento da colisão. Uma perícia deve indicar a real velocidade em que os carros estavam.
"Foi Deus"
Júlio Baptista estava entre o grupo de jovens que foi atingido. "Foi Deus mesmo. Eu nem vi o que eu fiz", se lembra. "Não sei o que eu fiz, eu bati a mão no capô do carro e acabei pulando mais pra trás e depois caí inconsciente". Hamilton de Deus Pereira, pai de uma das vítimas, aguardava o corpo ser liberado na Delegacia de Polícia. "Acabou com a minha vida agora né?", disse.

Segundo a manicure Lucimara Costa, o grupo de jovens tinha o costume de se reunir todas as noites no terreno em que houve o acidente. "Todas as noites eles ficavam aqui. Era um ponto de encontro deles e eles saiam de casa e iam para lá", disse.
Racha, acidente, Mogi das Cruzes, seis mortos (Foto: Cristiano Novais/CPN/Estadão Conteúdo)Acidente após racha em Mogi das Cruzes mata seis pessoas. (Foto: Cristiano Novais/CPN/Estadão Conteúdo)