1.22.2014

Parentes de líderes chineses utilizaram paraíso fiscal

Familiares de dirigentes do alto escalão do governo chinês - incluídos o atual presidente, Xi Jinping, e os ex-primeiros-ministros Wen Jiabao e Li Peng fazem uso maciço de um paraíso fiscal no Caribe

O GLOBO

Corrupção. O então premier Wen Jiabao (esquerda) conversa com o futuro presidente Xi Jinping em 2012: familiares de dirigentes usaram paraísos fiscais
Foto: LIU JIN / AFP/11-3-2012
Corrupção. O então premier Wen Jiabao (esquerda) conversa com o futuro presidente Xi Jinping em 2012: familiares de dirigentes usaram paraísos fiscais LIU JIN / AFP/11-3-2012
MADRI - Familiares de dirigentes do alto escalão do governo chinês - incluídos o atual presidente, Xi Jinping, e os ex-primeiros-ministros Wen Jiabao e Li Peng fazem uso maciço de um paraíso fiscal no Caribe. A informação foi revelada terça-feira por um grupo de meios de comunicação (“El País”, “Guardian”, BBC, “Le Monde”, “Süddeutsche Zeitung” e “Asahi Shimbun”), com base em documentos fornecidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Ao menos 13 parentes próximos da cúpula do governo chinês mantêm grande atividade nas Ilhas Virgens Britânicas, além de 15 grandes empresários e grandes companhias estatais.
Os registros foram descobertos a partir de mais de dois milhões de arquivos de duas administradoras (Portcullis TrustNet e Commonwealth Trust) que operam nas Ilhas Virgens Britânicas. A opção pelo arquipélago onde vivem apenas 27 mil habitantes, diz a reportagem publicada terça-feira pelos meios citados, não surpreende: as ilhas caribenhas eram o segundo investidor direto da China em 2010 - ano limite cterça-feiraplado pelos documentos - atrás apenas de Hong Kong. As Ilhas Virgens Britânicas contam com mais de um milhão de sociedades inscritas, e 40% delas procedem de China, Hong Kong e Cingapura.
Conivência local
Os dados revelam como nos últimos anos a abertura da economia chinesa enriqueceu de forma imensurável um setor privilegiado da população, graças a sua proximidade do poder. Vários integrantes da elite comunista abriram sociedades offshore às custas das fortunas feitas à sombra do regime chinês.
Os familiares dos dirigentes comunistas, diz a reportagem, aproveitaram a conivência fiscal das Ilhas Virgens Britânicas para enviar dinheiro fora dos circuitos convencionais. Para isso, criavam empresas próprias ou usavam participações em empresas já constituídas.
O esquema permitia aos integrantes das mais altas linhagens comunistas ocultar bens e dinheiro do controle oficial e, inclusive, beneficiar-se dos privilégios fiscais de Pequim a investidores estrangeiros. Nos moldes da lei, a China limita o movimento de capital ao exterior em US$ 50 mil por habitante, por ano.
Os 13 parentes da cúpula do regime aparecem ligados a pelo menos 25 sociedades, seja como acionistas ou diretores. São familiares de dirigentes do alto escalão comunista na ativa, aposentados ou já falecidos. A lista inclui o cunhado do presidente Xi Jinping; o filho e o genro do anterior primeiro-ministro, Wen Jiabao; a filha de seu antecessor, Li Peng; um genro do falecido líder Deng Xiaoping; e o neto do lendário comandante militar na revolução Su Yu.
Autoridades não respondem
O caso do cunhado do presidente chinês, Deng Jiagui - marido da irmã mais velha de Xi, Qi Qiaoqiao - é um dos mais emblemáticos, cita a reportagem. Ao lado da mulher, ele construiu em 20 anos um império imobiliário em Hong Kong e Shenzhen. O filho do ex-primeiro-ministro Wen Jiabao, Wen Yunsong, por sua vez, criou a empresa Trend Gold Consultants no paraíso fiscal. A fortuna de sua família, segundo investigação do “New York Times” em 2012, ultrapassa os US$ 2,7 bilhões.
Já a filha do ex-primeiro-ministro Li Peng (que reprimiu fortemente as manifestações na Praça da Paz Celestial), Li Xiaolin, conhecida como “Power Queen” por controlar um dos monopólios elétricos da China, também figura na lista: a mulher que ostenta riqueza e influência recorreu ao paraíso fiscal.
A análise dos documentos mostra que parte significativa dos investimentos da elite chinesa nas empresas offshore caribenhas ocorreu durante o período em que os parentes poderosos exerciam diretamente o poder. O filho e o genro de Wen Jiabao, por exemplo, fundaram uma empresa quando o então premier era um dos nomes mais importantes da hierarquia do PC, entre 2003 e 2013, quando foi substituído na renovação empreendida sob Xi Jinping. O jornal espanhol “El País”, um dos veículos que publicaram a denúncia, procurou as autoridades chinesas, mas não teve resposta.
Os documentos vazados pelo WikiLeaks em 2010 davam pista sobre o enriquecimento da elite política chinesa. Um informe secreto enviado aos EUA pelo consulado em Xangai dizia que, segundo uma fonte, a família de Wen era uma “notável dor de cabeça” para o então premier, e os negócios de pessoas de seu entorno causavam desgosto ao político.
Caso furem o bloqueio do governo à liberdade de imprensa, os documentos sobre as obscuras atividades da elite chinesa prometem servir de combustível para as tensões decorrentes da desigualdade social no país - o número de bilionários no país passou de zero para 315 em uma década, e 153 das mil pessoas mais ricas da China são deputados da Assembleia Popular ou integram seu órgão consultivo. Segundo o “El País”, os 20 parlamentares mais ricos acumulavam em 2012 US$ 62,2 bilhões, ou 46 vezes o valor da soma do patrimônio dos 20 congressistas mais ricos dos EUA.
O mal-estar social ganha força quando se nota que a saída ilegal de capitais também reduz a arrecadação tributária. Segundo a ONG americana Global Financial Integrity, US$ 150 bilhões deixaram a China de forma irregular em 2011, último ano disponível da pesquisa.
Ativistas julgados
As revelações ocorrem no mesmo dia em que começa em Pequim o julgamento de Xu Zhiyong, ativista famoso por pedir às autoridades que tornassem públicos seus rendimentos. Outros seis ativistas também comparecem às cortes até o fim desta semana. Xu é acusado de “unir uma multidão para provocar desordem pública”. Com 40 anos, ele é um dos mais famosos ativistas da China e pode pegar até cinco anos de prisão. Encorajado pela campanha anticorrupção de Xi Jinping, ele criou o Novo Movimento Cidadão, para exigir transparência ao governo, mas as autoridades reprimiram seus integrantes. Cerca de 20 ativistas já foram presos.

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