2.06.2014

PIZZOLATO, PERSEGUIDO POLÍTICO

Paulo Moreira Leite

Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 47

 No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.

É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância. 
Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.

Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros. Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo. Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.

Vamos em frente e examinar alguns  pontos.

Por exemplo. Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828. Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia,  quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com  faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski.  Antes disso,  o 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.

Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.
O relator Joaquim Barbosa pergunta a  quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet  repassados a DNA?
Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.  
O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida. Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel. O importante é saber que Henrique Pizzolato não se encontra entre eles. Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como  “único responsável” pelos pagamentos. Não era único nem era o responsável.
 Outro exemplo. Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson,  os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois,
Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:
A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”

Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma. “
 Outro exemplo. Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema. Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação. Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001, e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.

 Outro exemplo. Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil. Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real  do mercado publicitário. Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”
Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a  resposta do Banco é enfática: “conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (...) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.” O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento. “
É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma   cobrança que não tinha “legitimidade.”

Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.
Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.
Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326 000 em sua casa. A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT  e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.
Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte. Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto. Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho. Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos. Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”. A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha “legitimidade,” diz o jurídico do banco.
Dá para entender? Dá. É só aceitar a ideia -- dolorosa, difícil, mas real -- de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.
Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões. Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira. Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de  desmembramento. Precisa de mais?
Acho que não.

É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália

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