4.18.2014

Os novos dilemas dos casais

Medos e condicionantes que geram inseguranças nos homens e nas mulheres

Os novos dilemas dos casais

A mudança do papel social da mulher teve repercussões diretas na vida a dois.
Elas estão mais independentes e eles ainda não encontraram o seu espaço.

Ana foi casada uma vez e já partilhou o seu espaço com três homens «de personalidades completamente distintas», mas o desfecho foi sempre o mesmo.

Em todas as relações, percebeu que, a partir do momento em que eles entram no seu espaço, a qualidade da relação cai drasticamente. «Grande parte do encantamento vai-se embora, apercebo-me de novos defeitos e a disponibilidade um para o outro diminui substancialmente», refere. Ana tem 47 anos e enquadra-se no perfil da mulher moderna de que falamos neste artigo.

Independente, segura e confiante, capaz de organizar a sua vida sozinha e que não quer abdicar do seu espaço. Resultado das transformações sociais que ocorreram nos últimos 40 anos e que implicaram mudanças diretas na vida dos casais, hoje, temos novos dramas. Agora, são elas que reivindicam a sua liberdade e eles, mais sensíveis e românticos, estão mais inseguros, sentem que ficaram para segundo plano e temem que nós percebamos isso.

O medo que as mulheres têm de se entregar
Este dilema está habitualmente escondido nas escolhas que fazemos, seja ao apaixonarmo-nos pelos homens errados, que ainda não estão disponíveis para uma relação ou que já estão comprometidos, seja ao cair constantemente em relacionamentos destrutivos. Um padrão muito comum e que, segundo os especialistas, é impulsionado pelo nosso mecanismo psicológico de defesa.

Segundo esta teoria, se ainda não estamos preparadas para nos entregar de verdade, tendemos a ir atrás de quem também ainda não está. Por uma questão de segurança. Pois, assim, já sabemos o que esperar daquela relação. Manuel Peixoto, presidente da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar e terapeuta familiar, diz que verifica muito este receio na sua prática clínica.

«Criar um vínculo implica poder perdê-lo e, portanto, o medo não está em criar o vínculo mas sim em perdê-lo e, muitas vezes, as pessoas vivem uma ambivalência. Eu quero, mas tenho receio», esclarece o especialista. A solução, essa, nem sempre é fácil e muito menos evidente.

«Em primeiro lugar, é fundamental que reconheça esse medo. Reflita sobre a situação e tenha uma conversa franca com as amigas. Depois, enfrente o medo e arrisque, devagarinho. Com o tempo, vai ganhar a confiança necessária e aprenderá que também consegue lidar com as perdas», recomenda o terapeuta.


Quando as mulheres (também) querem ter o seu espaço
A forma como as mulheres encaram os relacionamentos amorosos também mudou. Elas estão mais independentes, não só financeiramente mas também emocionalmente e querem ter o seu próprio espaço. Num estudo publicado pelo The Wall Street Journal, 77 por cento das mulheres disseram que precisavam de ter o seu espaço pessoal num relacionamento, em oposição a 58 por cento dos homens.

«A mulher quer ter tempo fora da esfera do casal. Há uns anos, esta era uma reivindicação tipicamente masculina e, hoje, é uma necessidade completamente natural nas mulheres. Apesar de eu sentir, muitas vezes, que o homem não aceita essa condição muito bem».

É, por isso, importante e até mesmo fundamental que cada um perceba que é o casal que acaba por beneficiar desse tempo livre individual. «É nas relações com o mundo exterior que o casal vai buscar a energia necessária para continuar a funcionar. Se não houver relações com o mundo exterior, o casal estagna e não evolui», alerta o especialista.

Trabalho em demasia
Investir toda a sua energia na carreira profissional pode ser apenas uma forma de camuflar as suas inseguranças emocionais. «Agora, estou dedicada à minha carreira» é uma desculpa habitual para o fracasso nos relacionamentos, segundo os especialistas. Por medo de ter mais uma relação falhada ou uma desilusão amorosa, há quem procure proteger-se, focando-se na vida profissional. Mais tarde, quando já há um compromisso, o trabalho surge como uma fonte comum de conflitos entre o casal.

Manuel Peixoto explica que, devido ao papel social e profissional que a mulher ocupou nos últimos anos, surgiu um novo drama. «A mulher tem novas responsabilidades profissionais mas continua a ter também o papel de mãe e de dona de casa e sente que tem um grande peso em cima dela. É muito comum ouvir as mulheres a queixarem-se de que se fartam de trabalhar e que os companheiros, quando chegam a casa, pouco ajudam», refere.

«É uma situação comum até nos casais muito jovens porque há um modelo que vem de há muitas gerações e que se impõe. O homem até pode dizer que não concorda com a desigualdade dos papéis mas age de forma desigual. É quase inconsciente», conta ainda. A solução é simples. «Tenha uma conversa franca com o seu companheiro e coloquem-se no lugar um do outro, a fim de perceber como podem aliviar o peso das responsabilidades de cada um e a distribuir as tarefas, de acordo com aquilo que cada um mais gosta de fazer».


O medo que os homens têm de ser dispensáveis
Eles nunca tiveram tanta vontade de conquistar uma mulher como agora mas estão confusos. Podem ou não tomar a iniciativa? Os homens estão mais românticos, mas também assustados com a mulher que vai atrás do que deseja e que conquista o homem que quer, o cargo de chefia na empresa... «A mulher atual tem o direito de dar a sua opinião», sublinha o especialista.

«Pode decidir e tem um papel muito mais ativo, não só em termos pessoais e profissionais, mas também na vida familiar e, em particular, na vida do casal. E é muito natural que surjam conflitos sistemáticos entre o casal, no que respeita à relação de poder porque o homem ainda não aprendeu a lidar com esta nova mulher», explica o terapeuta Manuel Peixoto.

«Esta é uma realidade recente que tem 40 anos e os homens ainda não tiveram tempo de digerir esta mudança. Sabe-se que a mulher conquistou o homem, ele é que ainda não percebeu que ela o conquistou e vai demorar algum tempo a digerir essa nova realidade». Mais uma vez, a solução pode não ser fácil de encontrar.

É verdade que, hoje, a mulher está mais independente e que a sua felicidade não depende de uma companhia masculina. «Mas, não deve, por isso, descurar o papel que o seu companheiro tem na sua vida. Ele é importante mas, por vezes, pode sentir-se dispensável e ficar inseguro. Ele precisa de ouvir que também precisa dele», aconselha o especialista.

Quando os homens querem telefonar no dia seguinte
No que toca às emoções, parece que os papéis se inverteram. Eles estão mais emotivos e nós mais frias. «No início da minha carreira, eu nunca ouvia uma mulher dizer ao marido que ia resolver o seu conflito na cama e, hoje em dia, temos mulheres que olham para o sexo como uma forma de baixar a tensão entre o casal», constata Manuel Peixoto.

«Inversamente, ouço cada vez mais homens a dizer algo como, se eu não estiver bem com a minha mulher, eu não sou capaz de ter relações sexuais com ela», «não foi só o papel social e profissional da mulher que mudou, a vivência da sua sexualidade também. Hoje, a mulher tem direito ao seu corpo e ao prazer».

«Ao mesmo tempo, o homem ficou mais próximo das suas emoções», afirma ainda. O terapeuta revela ainda que, atualmente, assiste a situações que, há uns anos, eram inimagináveis. «Hoje, em muitos casos, são os homens que tomam a iniciativa de fazer uma terapia de casal porque reconhecem que não conseguem gerir os conflitos e que precisam de um mediador para os ajudar», refere.

A solução passa forçosamente pelo reforço da coesão entre os membros do casal. Reservem momentos só para os dois, pelo menos, uma vez por mês e preocupem-se um com o outro. «Numa relação, não podemos ser apenas aquilo que somos individualmente, temos que ser capazes de ver as necessidades do outro e tent responder a elas, tal como, não devemos deixar que a rotina anule o romantismo e a intimidade».


Homens que têm medo de ficar sozinhos
Parece que o movimento foi contrário. Enquanto que a mulher ficou mais confiante, independente e determinada, os homens aprenderam a demonstrar as suas inseguranças e agora as suas carências estão mais à vista. Eles procuram relações mais românticas e queixam-se da falta de afeto, nos consultórios.

«O novo papel da mulher também fez com que os homens passassem a ser capazes de olhar para as suas emoções. Cada vez mais, há mais homens que assumem que têm uma ligação emocional e também, cada vez mais, sentem essa necessidade», confirma Manuel Peixoto. Por outro lado, «ainda há um preconceito social em relação aos homens que vivem sozinhos», sublinha.

«Um homem que, depois de um divórcio, fica a viver sozinho ainda é visto como um coitado. Não podemos pensar, de forma alguma, que homens e mulheres são preparados pela sociedade de forma igual», adverte. Há diferenças que continuam a estar presentes na nossa educação e socialização. «É mais fácil para uma mulher assumir que pode viver sozinha do que para um homem. O homem fica muito aflito e acha que tem que ter uma mulher na sua vida», acredita.

A solução nem sempre é clara e perceptível. «Esta é uma questão cultural que já vem de há muitas gerações e que está quase presente no nosso código genético. Eles estão mais dependentes de uma companhia feminina, sim, mas nunca o ataque com essa fragilidade»

3 tendências dos novos casais
1. Não querem ter filhos «Há uns anos, um casal que não tivesse filhos não era socialmente bem visto. Hoje, com a emancipação da mulher, a dedicação ao papel maternal e, consequentemente paternal, diminuiu e a pressão social para ter filhos já não é a mesma».
2. Procuram a terapia de casal na fase do namoro «Os casais querem avaliar as suas compatibilidades com uma terceira pessoa. O mito do amor e uma cabana já foi e hoje está claro que não chega duas pessoas gostarem muito uma da outra para viverem juntas».
3. São mais individualistas «Atualmente, as pessoas estão muito mais voltadas para si próprias e essa nova forma de ser afeta o casal. Cada ser humano tem um círculo individual e, quanto maior for, mais o outro tem que estar distante para não o invadir. Por outro lado, a autonomia que a mulher conquistou fez com que ela tolerasse menos».
Texto: Sofia Cardoso com Manuel Peixoto (terapeuta familiar e presidente da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar)

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