7.23.2014

O “aecioporto” e o choque de indigestão

Por Altamiro Borges
A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) decidiu nesta segunda-feira (21) solicitar informações sobre as operações irregulares no aeroporto do tio-avô de Aécio Neves na cidade de Cláudio, no interior de Minas Gerais. Já o PT estuda mover uma ação judicial por improbidade administrativa contra o cambaleante presidenciável tucano, questionando o uso de R$ 14 milhões dos cofres públicos numa obra privada. Diante das críticas, o ex-governador mineiro afirma que é vítima de uma armação política e setores da mídia já começam a abafar o escândalo, dando maior espaço para as desculpas do grão-tucano. De qualquer forma, como escreveu o jornalista Ricardo Mello, Aécio Neves levou um “choque de indigestão”.
No caso da Anac, como relata o site do Estadão, o objetivo é obter informações do governo estadual e da prefeitura de Cláudio sobre “eventuais” pousos e decolagens no local. A agência já confirmou que o aeroporto está em situação irregular. “O processo de homologação, iniciado em julho de 2011, ainda não foi concluído. Desta forma, o aeródromo não tem autorização para receber operações aéreas. A principal pendência para a conclusão deste processo é a apresentação pelo governo de Minas Gerais de um parecer do Comando da Aeronáutica. A agência reguladora também precisa inspecionar o empreendimento para verificar se foi construído de acordo com os requisitos técnicos do setor”.
“Se comprovadas estas irregularidades, a Anac adotará as medidas cabíveis. Pilotos e operadores de aeronaves que porventura tenham realizado operações aéreas irregulares poderão ser multados em até R$ 10 mil por operação”, afirma a nota divulgada pelo órgão na tarde desta segunda-feira. A rápida iniciativa da Anac irritou os tucanos, que adoram posar de vestais da ética. A direção nacional do PSDB já anunciou que processará a Anac. Segundo o jornal Valor, Aécio Neves também promete retaliar os que o acusam. “Não podermos aceitar é que em razão da proximidade do processo eleitoral se deturpem os fatos”, afirmou após visitar o santuário Nossa Senhora da Piedade, em Minas Gerais.
O cambaleante tucano não citou o PT, mas insinuou que as denúncias publicadas na Folha deste domingo foram fabricadas por inimigos políticos – logo ele que até o mês passado era colunista deste jornal e goza da intimidade da famiglia Frias. Já o PT parece que desta vez não ficará passivo, preso à falsa “postura republicana”. O presidente da legenda, deputado Ruy Falcão, não vacila em afirmar que “Aécio não distingue o público do privado” e que “usou o governo de Minas Gerais como extensão de suas propriedades”. Segundo o site do Jornal do Brasil, a ideia é mover uma ação judicial por improbidade administrativa contra o tucano. Já o PT de Minas Gerais proporá a abertura de uma CPI para investigar o caso.
Diante da saraivada de críticas, que pode ser fatal para a imagem do cambaleante tucano, já está em curso uma “operação-abafa”. Os jornalões e os telejornais já estão concedendo generosos espaços para as justificativas do PSDB. Até a própria Folha, que revelou o ruidoso escândalo, já dá sinais de recuo. A “operação-abafa”, porém, talvez não contenha a sangria. Para o colunista Ricardo Melo, uma das poucas vozes críticas deste jornal, o caso representa um verdadeiro “choque de indigestão” para Aécio Neves. Vale conferir seu artigo:
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Choque de indigestão
Aécio presenteou a família com um aeroporto; a conta, R$ 14 milhões, foi espetada no lombo do contribuinte
"Os equívocos em relação à Petrobras foram muitos. E taí. Hoje a empresa frequenta mais as páginas policiais [...] do que as páginas de economia." As palavras são do candidato tucano Aécio Neves em sabatina realizada na quarta (16), ao criticar o governo Dilma Rousseff.
Nada como um dia depois do outro. Graças ao repórter Lucas Ferraz, ficamos sabendo neste domingo (20) que, antes de deixar o cargo de governador, nosso impoluto Aécio presenteou a própria família com um aeroporto no interior de Minas Gerais, na cidade de Cláudio. Deu de presente é modo de dizer. A conta, R$ 14 milhões, foi espetada novamente no lombo do contribuinte. Tudo dinheiro público.
O Brasil conhece à exaustão obras e estradas construídas perto de propriedades de políticos, sempre sob o argumento de pretensos interesses rodoviários e sociais. Cinismo à parte, para não dar muito na vista, ao menos se permite a circulação de anônimos pelas rodovias.
No caso do aeroporto de Cláudio dispensaram-se maiores escrúpulos. "Choque de gestão" na veia. A pista é de uso praticamente privado da família Neves e seus apaniguados. Um diálogo esclarecedor: perguntado pelo repórter se alguém poderia usar o aeroporto, o chefe de gabinete da prefeitura local foi direto. "O aeroporto é do Estado, mas fica no terreno dele. É Múcio que tem a chave." O dele e o Múcio citados referem-se a Múcio Tolentino, tio-avô de Aécio e ex-prefeito do município. Pela reportagem, descobre-se ainda que Aécio é figura frequente no lugar --a cidade abriga um de seus refúgios favoritos.
Pego no escândalo, o candidato embaraçou-se todo. Alega que a área do aeródromo particular foi desapropriada. O que, vamos e venhamos, já é discutível: no mínimo não pega bem um governador indenizar sua própria família para uma obra de utilidade social mais do que duvidosa.
Mas a coisa só piora: o processo de desapropriação está em litígio, ou seja, a propriedade permanece sob controle do clã Neves & Cia. Talvez uma ou outra aeronave de conhecidos, ou algum Perrella da vida, tenha acesso à pista. Fora isso, ignoram-se benefícios econômicos gerados pela empreitada ao povo mineiro. Questionado pela reportagem sobre quantas vezes esteve no estacionamento aéreo familiar e o motivo pelo qual uma obra custeada com dinheiro público tem uso privado, Aécio não respondeu. Ou melhor: o silêncio equivale a uma resposta. E a campanha mal começou.

 Escrito por Bosco de Almeida - Rio de Janeiro/RJ

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