10.21.2014

Para os amigos que votarão no Aécio

Milly Lacombe (link is external), escritora e jornalista, é responsável pela "Coluna do Meio" na revista mensal TPM e autora e co-autora de livros como "Tudo É Só Isso". Em seu blog (Blog da Milly) (link is external) publicou um texto para os amigos que votarão em Aécio. Milly afirma que o modelo do PSDB não prevê investimentos sociais, também não prevê força sindical, regulamentação forte do mercado em benefício das classes mais baixas. "O modelo neo-liberal, o modelo do PSDB, não prevê investimentos sociais (vamos apenas lembrar que o PT fez o Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos, o ProUni e ampliou o Bolsa Família que era um programa nanico e anêmico durante os anos FHC), não prevê força sindical, não prevê taxação maior aos ricos, não prevê regulação mais forte do mercado em benefício das classes mais baixas", afirma a escritora.
E conclui que no dia 26 estaremos escolhendo um modelo de país: escolher o investimento no acionista ou o investimento no social, entre cuidar do dinheiro do rico ou da dignidade do pobre.
Recentemente encuquei com a quantidade de pessoas que julgo inteligentes e que estão declarando voto-protesto em Aécio “para mudar tudo isso aí”. Sempre que alguém me diz que “do jeito que as coisas estão não dá mais” me pergunto se essa pessoa nasceu e cresceu na Dinamarca e chegou no Brasil há alguns anos apenas. O que não dá mais exatamente? As coisas não estão ótimas, mas já foram imperialmente mais grotescas. Talvez tudo esteja melhor com exceção do trânsito nas capitais – e vamos combinar que trânsito na capital não é um problema do Governo Federal.
“Ah, mas a corrupção está insustentável”.
Como assim, meu amigo? A corrupção é esporte nacional desde que o tal Dom João aportou por aqui. Pode não ter melhorado, mas agora está aí para ser julgada e condenada, como de fato está sendo.
“O PT quer instalar a ditadura”, já escutei gente que sei que é do bem dizer.
Mas então me expliquem que tipo de ditadura demora 13 anos para ser instalada? E que ditadura mantém poderes independentes e uma Polícia Federal que investiga o pessoal da situação? Que ditadura manda para a cadeia alguns de seus líderes mais influentes? Que ditadura permite ser chamada de ditadura sem mandar prender quem falou isso?
Encucada, comecei a refletir sobre essas coisas. Raramente minhas reflexões acabam em lugares produtivos, mas, por dever moral, compartilho aqui o que meus dois neurônios concluíram.
A sensação de insatisfação é mundial. Recentemente, a Europa teve que escolher o novo Parlamento, votado pela população dos países da comunidade Europeia, e duas correntes saíram vitoriosas da eleição: as de extrema direita e as socialistas. Me parece um recado claro de que todos querem mudança.
Mas mudança do que? O que está pegando?
O que está pegando é a desigualdade social e o desemprego. O Brasil não vai mal em nenhum dos dois (desigualdade e desemprego diminuiram), mas a onda da mudança chegou aqui também.
Todos nós sabemos que um pouco de desigualdade faz parte do jogo, mas a desigualdade que vemos hoje é alarmante e dilacerante. E, com a quebradeira de 2008 e os altos níveis de desemprego na Europa e nos Estados Unidos, é natural – embora abominável – que a turma da extrema direita, a turma do nacionalismo, a turma do “volta pra casa imigrante de merda porque é por sua causa que estamos nessa situação” se agigante e saia elegendo seus representantes. A explicação para a catastófica situação de hoje não é, claro, o imigrante, mas situações limite tendem a tirar o pior ou o melhor do ser-humano; e no caso da extrema direita é sempre o pior.
Mas o que levou a economia mundial a esse ponto?
Vamos analisar o caso americano, o berço do neo-liberalismo, esse sistema tão idolatrado pelos psdbistas, e onde hoje quatrocentas pessoas têm mais dinheiro do que a riqueza de metade da população somada. Os parágrafos a seguir estão mais no estilo “economia para idiotas” (o meu caso precisamente), mas sigam comigo porque eu prometo levá-los até que completemos um círculo inteiro.
Setenta porcento da economia americana está no consumo, e quem sustenta o consumo de qualquer economia é sempre a classe média. Se a classe média para de consumir, a economia para de crescer. O salário de um trabalhador comum nos Estados Unidos não cresce desde os anos 70. Não cresce significa que o poder real de compra do salário não muda há 40 anos. Está estagnado há quase quatro décadas. E estagnado nem é a palavra correta. O trabalhador comum ganha menos hoje do que ganhava em 1970.
Em compensação, a produtividade só cresceu, e só faz crescer até hoje. Então: se o salário é o que o patrão dá ao trabalhador, e se produtividade é o que o trabalhador dá ao patrão a gente consegue entender onde foi parar essa diferença. É um gráfico simples que até eu entendo. Mais produtividade, mais lucro. Mais lucro sem aumentar o salário do trabalhador significa acúmulo de dinheiro nas mãos apenas daqueles que controlam os meios de produção (perdoem se aqui o discurso soa marxista, sei que isso assusta alguns, mas prometo não arrepiá-los pedindo que se instale o comunismo).
E o que o patrão fez com esse dinheiro acumulado? Em vez de devolver ao mercado, ele guardou. Guardou em ações, em capital especulativo — no mercado de capital enfim. É um dinheiro que não cria utilidade social, o que seria aceitável numa sociedade de iguais, e não é esse o caso.
No mesmo período, fortificou-se a ideia de que taxar o patrão não é um bom negócio porque ele é o cara que cria empregos e, afinal, precisamos de empregos. Então, impostos sobre os ricos só caíram. Um trabalhador comum nos Estados Unidos hoje paga em torno de 30% de impostos. Warren Buffet, uma das maiores fortunas do mundo, paga 11%. (Pausa para que façamos a digestão).
Naturalmente até meus dois neurônios entendem que não é o empresário que cria emprego. Quem cria emprego é o consumidor. O empresário não acorda de bom humor numa sexta-feira ensolarada e diz: “Que dia lindo! Vou criar vinte empregos hoje!” Ele, aliás, de uma forma geral só cria emprego em caso de última necessidade, e de não poder mais sobrecarregar o funcionário com tarefas extras porque o cidadão está esgotado. Se alguém auto-denomina “criador de empregos” ele está apenas fazendo uma declaração de poder e de status, nada além disso.
O centro do universo econômico é o consumidor. E toda a história de prosperidade econômica de uma comunidade é uma história de investimento social. Investimento nas classes mais baixas, e em coisas básicas como educação – gratuita e de qualidade. Se querem um exemplo de investimento social fiquemos com a Coreia do Sul porque assim poupo vocês de falar de Cuba e não perco leitores.
Aqueles que insistem com o discurso da divindade do livre mercado ainda não se deram conta de que livre mercado nunca existiu porque o governo, qualquer governo, sempre regulou mercados. O problema americano é que, desde o neoliberalíssimo Ronald Reagan, os mercados passaram a ser regulados de forma a atender os interesses dos muito ricos apenas. Uma regulação mão-leve, vista-grossa, uma regulação que protege o opressor e não o oprimido.
Outra atitude tomada por Reagan foi o fim dos sindicatos. A economia americana hoje quase não tem sindicatos. E sem eles não há quem lute por reajustes salariais para o trabalhador, por isso a estagnação do poder real de compra do dólar por quarto décadas.
O que fez o trabalhador americano tendo que continuar a gastar com casa, alimentação, saúde e educação mas ganhando rigorosamente o mesmo salário por gerações? Se endividou. Gastou no cartão, fez empréstimos e, ainda mais cruel, acumulou empregos, trabalhando muitas vezees em dois ou três. Que custo isso tem para a economia? Para as relações? Para as famílias? Sem dinheiro e tendo que trabalhar por horas sem fim as pessoas não se cuidam, não se relacionam decentemente, não criam filhos decentemente. O diabo da economia capitalista é que, no fim, todo esse drama entra na conta como crescimento: médicos, remédios, psicólogos, mortes…
Não é preciso ser um gênio para etender que se a produtividade aumenta, o salário também precisa aumentar. Não apenas porque é legítimo e moral, mas porque se o salário aumenta, o trabalhador compra mais, e se ele compra mais a empresa cria mais empregos, e se a empresa emprega mais e fatura mais, ela paga mais impostos. E se ela paga mais impostos o governo ganha mais e investe mais em social e em educação e a economia cresce. Se em alguma dessas etapas o giro é interrompido para que alguma das partes possa acumular capital, a economia trava e a desigualdade aumenta.
Isso chamamos de neo-liberalismo. O mercado quase sem regulação federal, pouco ou nenhum investimento social, capital acumulado na mão daqueles que controlam os meios de produção.
O modelo neo-liberal, o modelo do PSDB, não prevê investimentos sociais (vamos apenas lembrar que o PT fez o Minha Casa Minha Vida, o Luz Para Todos, o ProUni e ampliou o Bolsa Família que era um programa nanico e anêmico durante os anos FHC), não prevê força sindical, não prevê taxação maior aos ricos, não prevê regulação mais forte do mercado em benefício das classes mais baixas.
O modelo PSDBista é uma cópia do modelo falido americano. O modelo PTista investiu no social e mudou a cara do Brasil na última década. Fez ascender uma multidão de pessoas ao mercado consumidor, girou a economia, pagou o FMI, deu status ao país lá fora, diminuiu desigualdade, desemprego, tirou o Brasil do mapa mundial da fome, fortaleceu a Petrobrás (Ah, por favor. Sem essa de escândalo de corrupção. Está tudo aí, sendo investigado etc e tal. Veja apenas quanto valia a empresa com FH e quanto vale hoje).
Eu sei, ainda estamos longe do ideal, mas não se muda 500 anos de tropeços e costumes deploráveis e desvios e sonegações em 12. É preciso mais tempo. É preciso mais investimento social. Mas estamos evoluindo, e uma administração neo-liberal interromperia todo esse processo.
É isso o que estaremos escolhendo no dia 26.
Não se trata de optar entre aqueles que fizeram o Mensalão ou aquele que construiu aeroporto particular com grana pública e empregou parentes em seu governo. Não se trata de escolher entre o “menor dos delitos”, ou em “alternar poder”. Não se trata de escolher entre o azul e o vermelho, entre o bom e o mau, entre o que fala bem e o que fala aos trancos, entre o filhinho de papai e a guerrilheira. Se trata de escolher um modelo de país. De optar entre o investimento no acionista ou o investimento no social. Entre a proteção ao dinheiro do rico ou à dignidade do pobre. É disso que se trata o dia 26.

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