Por José Antonio Lima*
Autor convidado
Em 8 de julho de 2014, a seleção brasileira sofreu diante da Alemanha
 a maior humilhação da história das Copas do Mundo. Apesar do
 choque que se abateu sobre o país após o Mineirazzo, o 7 a 1 
não foi suficiente para desfazer as estruturas que permitiram o vexame. 
Ao contrário, elas apenas se reforçaram desde então, como mostra o
 poder da Confederação Brasileira de Futebol, apoiada de maneira
 indefectível pela TV Globo, e das federações estaduais. 
Agora, surge uma oportunidade para as coisas começarem a mudar de fato.
A brecha foi aberta pelo FBI, a polícia federal dos Estados
 Unidos, e o Departamento de Justiça norte-americano.
 Foi revelada em 27 de maio uma investigação que apura
 a existência, há 24 anos, de um esquema de extorsão, 
 pagamento e o recebimento de subornos e propinas 
nas negociações dos direitos de transmissão e marketing 
das competições esportivas.
Marin Del Nero CBF
José Maria Marin e Marco Polo Del Nero, a CBF em maus lençóis (Guilherme Pessoa/CBF)
A Fifa, a Conmebol e a Concacaf estariam envolvidas até o pescoço 
no esquema. Há suspeitas sobre a escolha da África do Sul para sediar
 a Copa de 2010, sobre a eleição da Fifa em 2011 e sobre 
competições como as eliminatórias da Concacaf, a Copa Ouro, 
a Copa América, a Liga dos Campeões da Concacaf e a Libertadores.
Há, também, uma significativa participação de atores brasileiros
 no esquema. Entre os sete presos pelas autoridades da Suíça está 
o ex-presidente da CBF e atual vice da entidade, 
José Maria Marin. Segundo o Departamento de Justiça dos EUA,
 também houve corrupção envolvendo os direitos da Copa do 
Brasil, organizada pela CBF, além de um contrato de patrocínio 
da CBF com uma “grande companhia esportiva dos EUA”.
É bastante provável que essa empresa seja a Nike, 
 o J. Hawilla, dono da Traffic. Hawilla confessou sua culpa para 
as autoridades norte-americanas e fez um acordo no qual aceitou
 devolver pelo menos US$ 151 milhões. A Traffic Internacional,
 bem como sua subsidiária nos EUA, também se 
declararam culpadas. Figura bastante influente do 
futebol brasileiro, J. Hawilla se tornou especialmente
 famoso nos anos 2000, quando ajudou a organizar o
Corinthians, então parceiro da Traffic.
A CBF age rápido para tentar se afastar do escândalo. 
O atual presidente da entidade, Marco Polo del Nero,
 Ricardo Teixeira, enquanto o secretário-geral da CBF,
 Walter Feldman, atribuiu a Marin um papel decorativo 
na confederação. Trata-se de uma vã tentativa de dissociar
 a atual administração da passada, uma vez que uma 
é continuação da outra.
a CBF, ao menos até 2013 aindarecebia pagamentos 
da entidade e, na Copa do Mundo de 2014, seus familiares
acompanhar os jogos. A investigação não afeta a CBF e o 
futebol brasileiro de maneira tangencial. Ela atinge seu coração.
Como afirmou a procuradora-geral dos EUA, Loretta E. Lynch, 
o dinheiro que foi roubado (e que possivelmente é ainda é
 desviado) sai do futebol para os bolsos dos corruptos.
 “Isso tem prejudicado profundamente uma multidão de vítimas
, desde as ligas juvenis e os países em desenvolvimento 
que deveriam se beneficiar da receita gerada pelos
 direitos comerciais que estas organizações detêm, até os
 fãs em casa e em todo o mundo, cuja torcida faz com que
 esses direitos sejam valiosos”.
Como entidade privada, a CBF escapou das autoridades
 brasileiras por décadas. Nos EUA, o FBI encontrou um caminho,
 o do dinheiro, que sempre leva a descobertas interessantes.
 É preciso, agora, que Polícia Federal e o Ministério Público 
se esforcem para internalizar essa investigação e encontrar
 seus desdobramentos dentro do Brasil.
Como mostra a diferença de velocidade nas investigações
 da Operação Lava Jato e da Operação Zelotes, o trabalho
 das autoridades será facilitado caso a opinião pública e a 
opinião publicada se mobilizem. Também precisam ajudar 
os atletas profissionais e os clubes que desejam se livrar do
 domínio do conglomerado CBF-Globo. Não há hora mais
 perfeita para abandonar o barco do que a atual, na qual
 a Fifa, a Conmebol e a CBF estão sendo desmoralizadas
 pelas autoridades norte-americanas.
Se mais uma oportunidade de mudar o futebol brasileiro
 for deixada para trás, talvez não surja outra tão rapidamente.
* José Antonio Lima é editor-executivo do site de
 CartaCapital. Tem como maior patrimônio os álbuns
 completos das Copas do Mundo de 1990 a 2014.