6.26.2016

O Brasil está doente e não fazemos nada

26/06/2016 16h26

Sidney Rezende

Neste mês, estive em Natal, São Paulo, Uberlândia (MG), Catalão (GO) e Teresópolis (RJ). Estarei esta semana em Boa Vista, capital de Roraima, Itaperuna, interior do Rio, e Recife, em Pernambuco. Por onde passo, digo o que penso e tenho consciência que gero, em alguns, desconforto. Mas também percebo o desejo de mudança de rumo por parte da maioria.
No Tribunal de Justiça do Rio, me detive na crítica à burocracia jurídica e comentei que não me parecia ponderado encontrarmos nas instalações do evento para qual fui convidado para palestrar elevadores privativos para juízes, onde um ascensorista ali permanecia em horário integral para fazer apenas três ou quatro viagens. Enquanto a fila para os demais mortais se esparramava além do saguão. E pedi justificativa para a existência de bar e restaurante exclusivos para desembargadores. Eles não gostaram.
Na ABI, Associação Brasileira de Imprensa, falei de empreendedorismo, da perseguição do Império ao Barão de Mauá, genial empresário brasileiro. Frisei a farsa de pensar que ser empreendedor é fácil num país oligárquico como o nosso. E comentei o quanto era importante o desenvolvimento não dependente do Estado. Os meus colegas jornalistas torceram os seus narizes. 
Numa gigante empresa pública, eu me opus ao modelo de concursados que podem mais que a própria direção. Era notório a existência de quebra de autoridade. Fui hostilizado. Uma moça escreveu para mim: "seja homem e seja concursado"(?!). A direção, dócil, aceita esta anomalia que confunde com direito adquirido, e, simplesmente, nada administra, e cada centavo do contribuinte vai, bovinamente, para o ralo.
Fui dizer que a mídia não pode disseminar a manipulação como prática natural e fui defenestrado. Para mim, informações "boas" ou "ruins" devem ser dadas, desde que... sejam notícia.
Poderia cansar o leitor com uma lista de outras verdades inconvenientes. Estamos anestesiados, simples assim. Dizemos uns aos outros que não suportamos ver os desmandos, roubos, monopólio, violência, o poder centralizador de poucos sobre muitos. Mas o que temos feito concretamente para mudar esta realidade? Pouco. Muito pouco. Aparentemente, a maioria está contente com o subdesenvolvimento, embora, em palavras, o repudiem.
O ácido escritor, ensaísta, deísta e filósofo iluminista francês François Marie Arouet, mais conhecido como Voltaire, estava amargando seus últimos dias e o seu confessor tentou "salvá-lo" do que imaginava ser "calvário do porvir":
- Por que o senhor não abandona os seus demônios e o diabo?
Voltaire respondeu com humor e pragmatismo:
- Estou prestes a morrer e não é hora de arrumar mais inimigos.
Não pretendo arrumar mais inimigos dos que eu já tenho. Mas nossa letargia está levando o país ao abismo definitivo, pelo menos enquanto nossa geração existir.
Pelos puros e anjos que não nasceram, pensem comigo:
"No Brasil, há aproximadamente 14 milhões de analfabetos absolutos e um pouco mais de 35 milhões de analfabetos funcionais, conforme as estatísticas oficiais". A afirmação do economista da UnB Vicente Vuolo é cruel.
A enciclopédia conta que "analfabetismo funcional é a incapacidade que uma pessoa demonstra ao não compreender texto simples. Tais pessoas, mesmo capacitadas a decodificar minimamente as letras, geralmente frases, sentenças, textos curtos e os números, não desenvolvem habilidade de interpretação de textos e de fazer operações matemáticas. Também é definido como analfabeto funcional o indivíduo maior de quinze anos possuidor de escolaridade inferior a quatro anos letivos".
Um professor de uma turma de meninos e meninas entre 10 e 12 anos de uma escola da Baixada Fluminense me disse que a maioria não sabe ler e muito menos escrever. Uma outra também me contou que, na periferia de São Paulo, onde dirige uma escola, 35% dos alunos são criados pela avó, porque pais e mães seguiram seus caminhos pessoais. E os filhos que geraram não estavam nos seus planos.
É comum crianças apreendidas, confinadas em abrigos - e lá permanecem por um bom tempo - não receberem uma visita sequer. Nem dos jornalistas que vivem exigindo a redução da maioridade penal, mas não frequentam os infernos concernentes aos pobres. Onde está a responsabilidade dos "responsáveis"?
O Brasil perde R$ 197 bilhões por ano com violência no trânsito. Esse é o impacto econômico provocado pela morte de 43 mil pessoas e dos 525 mil casos de invalidez permanente resultantes de colisões e atropelamentos. O cálculo refere-se à interrupção da atividade produtiva como resultado da incapacidade de trabalho. Esses dados fazem parte do estudo Estatísticas da Dor e da Perda do Futuro: novas estimativas, do economista Claudio Contador, diretor do Centro de Pesquisa e Economia do Seguro (CPES), da Escola Nacional de Seguros. E por que dirigimos como ogros?
Os jornalistas Victor Martins, Diego Amorim e Carolina Mansur fizeram uma reportagem que é para sentar na calçada e chorar. "Todos os anos, cerca de R$ 1 trilhão, o equivalente ao Produto Interno Bruto (PIB) da Argentina, é desperdiçado no Brasil. Quase nada está imune à perda. Uma lista sem fim de problemas tem levado esses recursos e muito mais. De cada R$ 100 produzidos, quase R$ 25 somem em meio à ineficiência do Estado e do setor privado, a falhas de logística e de infraestrutura, ao excesso de burocracia, ao descaso, à corrupção e à falta de planejamento".
Em quatro anos, o número de processos movidos por erro médico que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) cresceu 140%. Em 2014, 626 ações foram encaminhadas à corte sobre o tema. Em primeira instância, o número é muito maior.
No Brasil, quarto maior produtor mundial de alimentos, 50% do estoque se perde na cadeia de distribuição.
Levantamento feito pelo Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) diz que a automedicação é praticada por 76,4% dos brasileiros. Entre os que adotam essa prática, 32% têm o hábito de aumentar as doses de medicamentos prescritos por médicos com o objetivo de potencializar os efeitos terapêuticos.
Como posso, diante de tudo isso, ficar aqui no meu lugar de braços cruzados? Os caras lá em cima, em Brasília, não estão nem aí para o Brasil real. Eles sequer sabem a realidade do povo brasileiro.
E, você, o que está fazendo concretamente para melhorar o nosso país?

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