10.01.2016

No voto, unidade contra o projeto Temer

Beto Barata / Fernando Cavalcanti "Memória de tragédias históricas, como o suicídio de Getúlio Vargas, reforça a necessidade das lideranças ligadas ao movimento popular buscar unidade em momentos de perigo, como o golpe de 31 de agosto",  ,
 o debate é necessário em São Paulo, onde Fernando Haddad luta com chances para passar ao segundo turno, e necessita dos votos de quem apoia Luiza Erudina, mas também em outras cidades; candidatos e eleitores devem dar preferência a quem possui melhores chances de ir para o segundo turno, defende PML; "Última consulta popular antes das eleições de 2018, no pleito municipal a coalizão de Temer pretende consolidar o golpe e abrir caminho para o avanço dos ataques aos direitos e conquistas sociais, que já é cobrado com impaciência pelos articuladores da queda de Dilma"
Vinte e quatro horas antes da corrida às urnas, cabe discutir o principal e o secundário numa eleição cujo primeiro turno ocorre 30 dias depois do lance final do golpe de Estado que derrubou Dilma sem crime de responsabilidade. Para além dos graves e sempre urgentes problemas das cidades brasileiras, há uma questão nacional a ser considerada, que envolve decisões cruciais para o futuro do país.
Personagem muito recordado durante os debates sobre o impeachment, Getúlio Vargas tem sido injustamente esquecido nos dias de hoje. É uma pena.
A tragédia que levou Vargas a dar o tiro no peito, em agosto de 1954, tem muito a ensinar não apenas sobre a falta de espírito democrático da elite brasileira, um traço sobre o qual ninguém tem o direito de formular muitas dúvidas. Também é revelador sobre o comportamento de lideranças que, reivindicando-se das causas ligadas aos trabalhadores e a população super explorada do país, têm imensas dificuldades para realizar uma política de unidade de ação contra o inimigo principal nas horas de maior perigo.
Isso também aconteceu em 1954 e é sempre útil, como aprendizado político, imaginar que a história poderia ter outro desfecho caso seus protagonistas tivessem se comportado de outra maneira.
Principal organização operária da época, com raízes importantes nos principais sindicatos e uma intelectualidade influente, o PCB fez oposição a Vargas já na eleição presidencial. Embora pudesse escolher entre o próprio Getúlio e o brigadeiro Eduardo Gomes, expressão da fina flor udenista, preferiu votar em branco. Passou os anos seguintes numa postura agressiva contra Vargas, numa linha política que um dos dirigentes históricos do PCB, Armênio Guedes, resume assim: “o objetivo era provar a superioridade do poder proletário em todas as oportunidades, seja de modo permanente, por alguns anos, meses, semanas, dias, horas ou minutos,” me disse ele, com sarcasmo na voz, em entrevista publicada no livro “ A Mulher que era o general da Casa.”
Quando ocorreu a tragédia, a reação inicial do PCB foi publicar, em sua imprensa, matérias que sugeriam “que a morte do presidente poderia ser útil ao avanço da luta revolucionária.”
No livro sobre Marighella, Mário Magalhães conta que, envolvido no ambiente anti-Getúlio, o PCB fazia uma crítica à esquerda do presidente, contribuindo para seu enfraquecimento político. Três dias antes do tiro no peito o jornal Imprensa Popular, do PCB, publicou entrevista do secretário-geral Luiz Carlos Prestes, defendendo “por abaixo o governo Vargas.” Na data fatídica,  republicou o depoimento de seu líder máximo. O fim da história se conhece. Informada sobre o suicídio, uma massa inconformada de milhões brasileiros levantou-se nas grandes cidades do país, para destruir o que via pela frente – as sedes dos jornais do PCB, inclusive.       
               
Sessenta e dois anos mais tarde, nem é preciso lembrar quantas mudanças estruturais ocorreram no país desde então. (Nem tudo mudou, é claro. Em 1954 e em 2016, a Petrobras e os direitos dos trabalhadores se encontram no centro dos conflitos políticos).
Não há dúvida, porém, que um mesmo debate se coloca. Envolve a necessidade de, enfrentando uma conjuntura especialmente difícil, somar esforços para derrotar os candidatos que tentarão, por todos os meios, empregar as eleições municipais para consolidar um governo nascido a margem da soberania popular.
Um mês depois da votação final no Senado, o golpe é um fantasma que assombra articuladores, aliados e beneficiários. Essa situação-tabu explica a reação absurda da apresentadora Ana Paula Araújo diante de Jandira Feghalli, candidata que teve coragem de lembrar o papel da TV Globo na queda de Dilma.  
Nas urnas municipais, o objetivo essencial do golpismo de coalização que sustenta Michel Temer é avançar no massacre do Partido dos Trabalhadores e demais forças que podem criar obstáculos a seu programa de destruição de direitos e conquistas históricas, arrancando pela raiz toda possibilidade de resistência real ao projeto de Estado mínimo. O projeto é um Carandiru eleitoral. Sem sobreviventes e sem feridos para dar testemunho.
Perseguida desde a AP 470, iniciada no primeiro mandato de Lula, a revanche reacionária contra mudanças – limitadas mas reais -- iniciadas em 2003 encontra nas eleições municipais um ponto de passagem importante para sua consolidação. Para começar, será a última oportunidade de consulta popular antes do pleito presidencial de 2018 – ninguém sabe como o país chegará até lá,  convém admitir.
Seja para dar início a guerra no Congresso pela aprovação da PEC 241, que pretende impedir por 20 anos qualquer elevação dos gastos reais do Estado, a começar por saúde e educação. Seja para avançar novos passos na neutralização de lideranças capazes de organizar e liderar uma resistência que será, necessariamente, difícil e encarniçada – tarefa na qual uma inaceitável captura de Lula, por qualquer meio, representa a medida mais simbólica e dramática.
Impopular e instável, incapaz de obter pelo voto aquilo que negociou nos gabinetes fechados da conspiração contra um governo ao qual servia, Temer e seus aliados tem uma tarefa neste domingo: evitar todo e qualquer resultado que represente uma vitória dos adversários do golpe. Querem cortar todo oxigênio, quebrando toda possibilidade de recuperação de um adversário de boa musculatura, mas ferido.
Isso começa pela eliminação, já no primeiro turno, de qualquer sinal político de rejeição aos aliados do golpe. Do ponto de vista do golpismo de coalizão, este risco deve ser extirpado já na primeira fase. Não há mais tempo a perder. As investigações da Lava Jato e do TSE prosseguem, colocando em risco a sobrevivência do próprio Temer e seu círculo próximo, submersos, como sempre se soube, no mesmo oceano de denúncias que atinge aliados da véspera. Cabe reconhecer que o prazo disponível é realmente curto para o tamanho da tarefa que assumiram.
Até 31 de dezembro o calendário eleitoral contém uma cláusula de validade para Temer. Diz a Constituição que, em caso de substituição do presidente da República, o Congresso deve convocar eleições diretas para a escolha do sucessor – solução que sem dúvida interessa ao povo, que em nenhuma circunstância poderia ser excluído de uma decisão essencial para o futuro das próximas gerações. A partir de 1 de janeiro de 2017, contudo, a via é indireta.
Este cronometro com prazos diferenciados explica a impaciência da coalização que articulou o golpe e exige uma contrapartida rápida. O receio é que, mais depressa do que se costuma calcular, aquelas forças que conseguiram vencer as últimas quatro eleições presidenciais sejam capazes empatar, atrasar e mesmo bloquear a aprovação de medidas que pretendem jogar o Brasil e os brasileiros no despenhadeiro dos mercados globais. Neste horizonte, a eleição municipal pode representar um avanço – ou atraso.  
A verdade é esta. Se não mostrar serviço a aliados e patrocinadores nos próximos três meses, a sobrevivência do governo Temer estará em jogo, como acusa a mudança de tom de seus pronunciamentos mais recentes, cada vez mais defensivos, tentando culpar a antecessora pelo quadro atual de crise e desesperança. Trata-se, na realidade, de uma ginástica mental que pretende esconder a questão principal, que é explicar a incapacidade absoluta incapacidade de reanimar o país e oferecer alternativas críveis para o futuro. A origem desse problema não é uma herança de Dilma, qualquer que seja ela.
Mas é uma herança do golpe, que corrói a legitimidade do novo governo. Este é o dado que explica 44% de desaprovação mesmo em São Paulo, ponto de origem de boa parte dos adversários de Lula-Dilma. A natureza espúria da manobra que afastou a presidente impede o voto de confiança recebido por Itamar Franco na saída de Fernando Collor, por exemplo.  Também impediu que Temer tivesse direito a uma lua-de-mel, fase sagrada tanto nos novos governos como nos matrimônios recém-celebrados. O país entrou dividido no golpe e assim permanece. Num sintoma de isolamento, Temer tenta encobrir dar um ar de heroísmo ao repetir “medidas impopulares.”
É neste ambiente que o país chega a eleição municipal. Não é nem um pouco difícil entender o que os adversários do golpe precisam fazer, vamos combinar. Entre o momento em que escrevo este artigo, e a abertura das urnas, o país tem 24 horas para lutar, de forma unitária, por uma vaga no segundo turno – em toda cidade onde isso for possível. A internet inteira está à disposição.

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